Alice através de Alice, pt. 2, por Delson Neto

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Uma vibração seguiu pelo pulso da jovem, forte, depois parou. Ela correu o dedo indicador pela tela da pulseira inteligente e viu a mensagem ali escrita. "Corre pra fora, agora!". As palavras não tinham sentido. Ninguém corria mais. As pessoas estavam mais sedentárias do que nunca e recorrendo a jogos e exercícios nos stories para se exercitarem o mínimo. Não tinha cabimento Igor mandar aquilo, ou ele tinha alucinado depois de tanto tempo trancafiado, ou era uma mensagem atrasada.

"Vem! A gente tá livre. Acabou!" o menino enviou, as notificações acelerando o ritmo da pulsação de Alice.

Não tinha como. Os casos haviam aumentado. Ligara a televisão há poucos dias e perdera completamente as esperanças. Tudo bem, reconhecia o lado pessimista dentro de si quando o pânico esfriava o sangue em suas veias, mas do jeito que o controle da pandemia ia de mal a pior, era difícil manter a cabeça sã.

Então, pelo choque da notícia, correu checar o calendário do seu planner, jogado entre a montoeira de papéis na escrivaninha. Tinha parado de contar a passagem do tempo em certo ponto do isolamento. Talvez fizesse mais tempo desde que assistira aos noticiários. Dias podiam facilmente ter sido semanas. Contou a partir dos livros lidos – uns cinco volumes de uma saga de fantasia, além dos spin-offs chatos e desnecessários. Mas tinha lido, e eles marcavam tempo suficiente pra verdade estar ali, exposta bem embaixo de seu nariz.

Fazia uma quinzena que não lia as reportagens mais recentes.

Desesperada com a própria inconsequência, abriu o mais depressa possível uma aba de busca na internet. O sinal do Wi-Fi estava lento, como já era de se esperar com o crescente acesso à rede mundial. Parecia internet discada. As memórias de quando ainda escutava vieram à tona, quase podia ouvir de novo o barulho do discador conectando-a para entrar no MSN.

Estava em todos os resultados. Pipocando por todo link que abria.

"Vacina para a COVID-19 é exportada de Cuba para o Brasil."

"Congresso aprova verba pública destinada à importação da vacina".

"Rede privada de hospitais é temporariamente estatizada para conter demanda de vacina à população brasileira".

De repente, Alice lembrou como era chorar.

Limpando as lágrimas do rosto, acionou o sistema da princesa mecânica, respirou fundo e respondeu Igor no celular, com um emoji assustado. "Vem aqui pra casa. Preciso de ajuda", ela escreveu. Teria que contar a verdade, mais cedo ou mais tarde. Não poderia sair por aí com a princesa, sem nenhum tipo de explicação, e era o que ela mais queria no momento.

"Okay. Tô chegando. E depois a gente vai comemorar." o amigo respondeu, desaparecendo seu status de "online" na tela.

Vai ficar tudo bemWhere stories live. Discover now