Até a meia-noite, pt. 3, por Renato Jardim

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Animo-me logo de cara, porque existe uma trilha e se existe uma trilha é porque pessoas passam por aqui com frequência. Pode realmente existir alguma fazenda mais afastada e Isis só pode morar em uma delas.

Eu caminho por uns quinze minutos e de repente as sombras começam a se formar quando o sol começa a se por. Vagalumes surgem aos poucos e eu começo a calcular se a luz do sol duraria por tempo suficiente para eu voltar para casa. Quando chego à conclusão de que ainda posso caminhar por alguns minutos antes de voltar, sinto um toque em meu ombro e dou um pulo, torcendo para a minha alma não ter saído do meu corpo. Minha avó está bem atrás de mim, segurando uma lamparina.

— Vovó! Quer me matar do coração?

— O que você está fazendo aqui, garota? — Ela aponta para os meus pés. — Anda, tira os sapatos!

— Quê?

— Tira logo esses sapatos!

Eu me assusto com a rispidez dela e tiro os calçados usando os próprios pés.

— Tire as meias, deixe-as do avesso e vista-as novamente.

— Ah, vó, tá falando sério?

— VAI LOGO!

Faço o que ela pediu e em seguida calço os sapatos de volta.

— Coloca isso. — Ela enfia a mão no bolso e tira uma pulseira de lá. — É de ferro, vai te proteger.

— Vó, isso é mesmo necessário?

— Te vi pela janela. Te gritei e você não ouviu, então vim atrás. Onde você está com a cabeça? Entrando na floresta sozinha, sem proteção, a uma hora dessas? Está querendo morrer, garota?

— Vó, relaxa, não leva tão a sério as coisas que as pessoas te contam, tá?

— Coisas que me contam? Eu vi coisas nessa floresta que te impediriam de dormir por décadas, Maria Alice. Sei do que estou falando, precisamos sair daqui o mais rápido possível.

Vovó pega o meu braço, mas percebo que seu olhar está travado em algo que está além de mim. Viro-me para ver para onde olha.

— Ora, o que é aquilo? — Vovó aponta para algo logo à frente. — Não me lembro disso estar aqui antes.

Forço os olhos e vejo algo formando uma grande sombra no chão. A luz do sol já praticamente não existe mais e só quando a vovó aponta a luminária consigo ver que ali, logo adiante, há uma estátua.

— Não, não, isso não estava aqui antes, tenho certeza.

Vovó se aproxima da estátua e a sigo com a mão em seu ombro arcado. Só quando paramos diante dela, vovó ergue a lamparina e eu posso ver com clareza.

— Isis!

É ela! O olhar sereno agora está cheio de medo. Suas mãos estão à frente como se estivesse se protegendo de algo e seus cabelos estão espalhados como quando o vento os toca, mas agora estão imóveis. É ela. Com outro olhar, outra expressão, mas ainda ela!

— A garota de quem vem falando esse tempo todo? — vovó fala enquanto seus cachinhos sacodem sobre seus ombros, acompanhando seu tique nervoso com o pescoço.

— Sim! É a Isis! É uma estátua da Isis!

— Ora, meu bem, isso não é uma estátua! Essa garota foi transformada em pedra!

É ridículo, eu sei. Mas então por que o meu coração responde como se constatasse uma verdade? Parece que tem uma batedeira dentro de mim.

— Para, vovó!

— É por isso que não a encontrou na cidade, jamais a encontraria. ­— Ela começa a passar a lamparina pelo corpo da garota, iluminando-a bem. — Veja os traços delicados do rosto, os olhos redondos e, olhe, bem ali. Vê a pontinha das orelhas?

Meus olhos ficam travados nos detalhes que a vovó aponta. Estão realmente todos ali. Eu nunca tinha visto as orelhas dela, que sempre estavam cobertas por seus cabelos escuros, e nunca tinha percebido esses traços que agora são tão claros.

— Isis não é humana, Maria Alice, ela é uma filha da mata.

Não sei o que dizer. Na verdade, nem sei se acredito. Mas está aqui diante de mim a prova do que a vovó está dizendo, não? A Isis está aqui na minha frente. Bom, pelo menos uma versão de pedra dela está.

— Vovó... Isso é verdade?

— É claro que é verdade, menina! Não está vendo? Os filhos da mãe da mata são protetores da floresta. Sim, sim, ela é uma filha da mata, claro que é. Já os vi algumas vezes.

Vai ficar tudo bemWhere stories live. Discover now