epilogue

176 18 5
                                    

Ela empurrou a caixa com um dos pés, enquanto segurava outra caixa para dentro do quarto e a largou sobre uma das camas. A tampa se abriu e ela sorriu quando viu que ali dentro só tinha coisas que sua mãe fez questão que ela levasse na mudança. Sentou-se na beirada da cama, mexendo nos objetos que lhe trariam lembranças onde quer que ela estivesse.

- Ah, não. – alguém resmungou, atravessando o quarto segurando também uma caixa de papelão – Mamãe conseguiu te convencer a trazer a caixa das memórias mesmo, não é? – disse derrubando sua caixa no chão e em seguida colocando as mãos na cintura. A companheira do quarto olhou para ela e em seguida para a barriga avantajada. Havia crescido um pouco mais nos últimos dias. Não muito, mas era algo que já mostrava a todos que ali era uma jovem grávida de poucas semanas.

- Como se você não conhecesse a Sra. Le Roux, Amélie. – disse a ruiva puxando alguns livros antigos e já amarelados.

Amélie acariciou a pequena barriga olhando para a ruiva e riu.

- O seu primeiro grimório? – Amélie perguntou.

Sorrindo, a ruiva acenou que sim e abriu o caderno velho.

- Não foi só um grimório, foi meu melhor amigo por anos. Você se lembra disso? – a ruiva perguntou apontando para uma página cheia de desenhos – Essa aqui é você... Caindo de uma árvore.

Amélie revirou os olhos – Você realmente fez um feitiço para eu cair de uma árvore, só porque eu tinha comido o seu pedaço de bolo?

- A vovó tinha feito aquele bolo para mim. – ela respondeu, com sinceridade e voltou a folhear o pequeno caderno. Parou quando viu o desenho de outros bonecos e suspirou – Acho que esse foi o único feitiço que nunca funcionou.

Amélie deixou os ombros caírem quando viu aquilo. Ela ajoelhou-se na frente da ruiva e apoiou as mãos sobre as dela.

- Não fique assim. – Amélie sussurrou – Eles... – ela apontou para os dois bonecos (um que representava um homem loiro e o outro que representava uma mulher ruiva) que seguravam uma garotinha ruiva – Podem ser seus pais de verdade... Mas eu... Apenas eu sou a sua família, está bem? É claro, e a mamãe, mas ela é um pouco louca, as vezes a gente desconsidera.

As duas riram, mesmo que o riso da ruiva tenha sido um pouco triste. Amélie sentiu-se mal.

- Eu ainda acho que vou encontra-los. – a ruiva falou – Eu sinto.

Amélie deu um longo suspiro – Qual é, Nora? Você tem vinte e três, já fazem vinte anos. As chances são mínimas, não se apegue a elas. Chega de feitiços para encontra-los, se há algo te bloqueando é porque eles não querem ser encontrados, você sabe disso. Além do mais... Estamos numa vida nova, prometemos que seria diferente... Por ele. – ela apontou para a barriga.

Nora revirou os olhos, sabendo que usar o bebê era golpe baixo.

- Eu sei disso. É por isso que deixei você escolher a cidade para morarmos. Mas você sabe que não me sinto bem aqui.

Amélie levantou-se – Pare com isso. Seus pressentimentos não são confiáveis.

- Eu estou falando sério. Desde quando chegamos venho tendo sonhos estranhos. Eu odeio isso.

- Você está tendo esses sonhos desde quando fez o último feitiço em busca dos seus pais. – Amélie rebateu – Não é o lugar, você está se auto sabotando.

Nora levantou-se – Toda noite, o mesmo sonho. Um clã. Um ritual. Uma bruxa. Uma garota.

- Arght! Você precisa procurar um psicólogo. É sério. – Amélie falou, saindo do quarto.

Nora virou-se para a única janela do quarto e encontrou o fim de tarde daquela cidade movimentada e turística. Em cima de um bar, o pequeno apartamento que ela e Amélie estavam dividindo, dava de cara com o French Quarter, o bairro de características francesas da adorável Nova Orleans.

Ela viu um carro conversível estacionando perto dali e de dentro dele um rapaz de cabelos escuros saiu. Ele vestia uma jaqueta de couro inapropriada para o calor daquele fim de tarde e Nora viu que dentro do carro ficou uma garotinha, que mal esperou o rapaz se afastar do carro para ela descer. Nora percebeu que a garotinha parecia confusa, perdida talvez e que não deveria estar ali sozinha.

Imaginando que o rapaz não tinha ciência de que a garotinha havia saído do carro, Nora afastou-se da janela e correu pelo apartamento a fora. Desceu as escadas que a levava para os fundos do bar e colocou-se nas ruas do French Quarter. Com receio do que fazer, ela seguiu o caminho do conversível antigo até ver a garota. Ela falava sozinha, olhando de um lado e para o outro, parada no meio da rua.

- Hey! Garota! – Nora gritou quando viu o bonde vindo em direção da garota.

Ignorada, Nora cruzou os punhos na frente do peito e sussurrou, jogando os punhos para os lados:

- Häxornas namn bef aller jager att behålla!

O bonde perdeu a velocidade e Nora correu até a garota.

- Clary! – alguém gritou.

Nora segurou a garota pelos ombros e a arrastou para fora do trilho, com receio de que pudesse estar machucada. Mas sabia que havia parado o bonde a tempo, e a garota estava ali, agitada e falando sozinha.

- Quando o primigênio acordar, sua herdeira ele encontrará e o caos renascerá. Quando a predadora reviver, com ela os efêmeros ressurgirão. Quando a estrela cair, todos cairão.

- Clary, você está bem?

Nora olhou para o rapaz que chegou até elas.

- Ela... Ela... Ela saiu do carro e... O bonde... O bonde estava vindo... – Nora falava perdida, enquanto a garota, Clary repetia aquelas frases estranhas.

- Ei... Está tudo bem. – o rapaz falou, tomando Clary para seus braços e tentando acalmá-la.

- Por que ela está falando essas coisas? – Nora perguntou ainda assustada.

O rapaz olhou para ela, empurrando a garota para mais perto dele, como se quisesse escondê-la.

- Minha irmã tem esquizofrenia. Eu estou de babá dela essa tarde, a deixei no carro por uns instantes porque ela fica agitada no meio de tanta gente. Eu precisava comprar os remédios dela.

Nora acenou olhando para a garotinha e em seguida olhou para o rapaz. Ele parecia irritado, mas tentou mostrar gentileza.

- Obrigado.

- Hum... Está tudo bem... Caso queira, eu fico com ela para que você possa comprar os remédios.

Ele a olhou desconfiado – Obrigado, novamente. Mas não será preciso. Vou leva-la comigo. Ela fica agitada demais perto de estranhos, não será bom para ela... E nem para você. – ele murmurou a última parte e Nora não teve a certeza de que ele havia dito aquilo mesmo.

- Certo. Bom... Espero que ocorra tudo bem. – ela disse, afastando-se devagar e olhando para ele. Um pouco diferente da maioria dos habitantes da cidade, ele tinha um jeito único, com os cabelos um pouco compridos e uma mecha caindo no olho esquerdo. Vestia-se como se viesse dos anos 80 e tinha um charme retrô. Nora, ainda perplexa com aquilo, tentou sorrir para ele – Foi um prazer... Eu sou Nora. Nora Le Roux.

Ele olhou para ela, enquanto ela se afastava de volta ao bar.

- Essa é a Clary... – ele falou desconfiado – E eu sou Daniel. Daniel Hoden.

Nora então conseguiu sorrir, porque sabia que ali a sua frente estava um feiticeiro. E aquela garotinha ali, não era apenas uma garota com esquizofrenia, era uma feiticeira poderosa que naquele momento estava prevendo uma profecia. E de alguma forma, Nora sentia, aquela profecia estava ligada a ela.

✓ Shadow WarsWhere stories live. Discover now