Capítulo 23

48 7 33
                                    

As horas passaram-se ligeiras enquanto me focava no trabalho, Bianca havia pedido para limpar as prateleiras e alternei num sobe e desce escada para limpar os lugares mais altos. Ela havia explicado também como regar de maneira adequada as flores que se encontravam no interior da loja, e depois de terminar essas tarefas ela me explicou como deveria abordar os clientes e ser eficiente na hora do atendimento.

Segundo ela muitas pessoas vão à floricultura com intenção de presentear amigos e parentes, mas nada entendem de arranjo floral, por isso era nosso dever orienta-los, por isso Bianca me emprestou um livro cujo explica os significados das flores e qual tipo de arranjo seria perfeito para cada tipo de ocasião.

Faltava pouco para o término do expediente por isso permaneci de esguelha lendo o livro enquanto vez ou outra observava a forma como ela lidava com os clientes. Pelo visto meu trabalho seria bem mais detalhista, o que me animou, a curiosidade pelo novo sempre foi o meu forte, achava prazeroso aprender e experimentar coisas diferentes, ter novos talentos.

Me encontrava absorta entre amores perfeitos e azaleias quando Bianca me chamou.

— Olívia, você já pode ir garota.

— Já? Ainda não acabei o livro. — digo me levantando.

— Esperava que não acabasse levando em conta que a maioria, se não todas as flores se encontram listadas aí — ela movimenta a mão direita num gesto impassível — Pode levar o livro para casa, creio que terminará daqui a uns dias, se for igual eu, meses.

— Se não tiver nenhum problema gostaria de levar sim, achei bem interessante o que cada flor transmite como mensagem.

— Problema algum, fico feliz que gostou. Confesso que para mim, custei a decorar, mas chega uma hora que a informação gruda na cabeça e tudo fica natural.

— Muito obrigada, te vejo amanhã! — me despesco animada.

— Até. — Bianca acena com a mão.

Já fora da loja aproveito para olhar a hora no celular, marcava 18:00 e o jogo começaria às 19:00. Achava que ir para a casa tomar um banho e logo retornar seria corrido e uma completa perda de tempo, por isso optei por ir direto para a escola. A mesma já ganhava uma certa movimentação, encontrei algumas garotas do time pelo caminho e fomos todas ao vestiário, Ana nossa goleira, Larissa nossa lateral direita, Júlia e Mariana nossas zagueiras.

Enquanto nos trocávamos aproveitamos para conversar entre si. O vestiário estava envolto na mais absoluta euforia e quando todas terminamos de vestir nosso uniforme azul-marinho nos dirigimos para a quadra. Lá fora o campo já estava bem mais movimentado, observei bloquinhos de pessoas espalhadas por sobre as arquibancadas, ao longe vislumbrei nossa treinadora conversando com a equipe que cuidava do equipamento de som.

Minha atenção recaiu sobre Ana que caminhou até os bancos de forma estranha, quando reparei em seu rosto desprovido de cor percebi que algo estava errado, me aproximei rapidamente.

— O que aconteceu Ana? — pergunto vendo de perto seu semblante abatido.

— Não sei, acho que minha pressão caiu. — ela diz numa voz meio fraca.

— Coloca a cabeça entre as pernas. — digo enquanto seguro seu cabelo para que não caia no rosto.

— O que aconteceu Olívia? — me surpreendo com a voz da treinadora Suzana ao meu lado.

— A pressão dela caiu.

— Você pode correr na cantina pegar uma água com sal? — Suzana pergunta já se prontificando ao lado de Ana — Deixa que eu cuido dela.

— Certo!

Saí em disparada pelos corredores da escola e alguns segundos depois, chego no refeitório vazio e escuro, abro a porta da cozinha que fica na parte superior ao salão e suspiro aliviada por estar destrancada, acendo a luz e procuro sem saber onde guardavam o sal. Depois de muito custo o encontro colocando uma pequena quantidade na água, antes de sair lembro do pacote de bolacha de água e sal que havia visto no armário, me sentindo um pouco enxerida abro a embalagem pegando um dos pacotes.

A bolacha salgada faria bem ao organismo dela penso e me sinto um pouco menos mal, afinal a bolacha poderia ser de alguma das cozinheiras. Caminho agora com mais calma para não derrubar o copo d'água, quando sou surpreendida por passos pesados que ressoavam pelo corredor. Parei por um minuto observando o uniforme azul e o cabelo preto prendido em um rabo de cavalo alto, Giovana reconheci de costas.

Ela caminhava apressada como se estivesse de mal com o mundo, totalmente enfurecida, atrás dela pela porta lateral com que a mesma havia entrado, surge um homem mais velho com uma garrafa vermelha entre as mãos.

— Giovana! Você esqueceu sua garrafa filha. — grita para as costas da menina que se distanciava rapidamente.

Me aproximo do homem que me olha com um semblante angustiado, sem ter noção do meu ato o observo descaradamente. Era a primeira vez que via o pai de Giovana, ele era um homem bonito, com características diferentes da filha, enquanto esta carregava um par de olhos castanhos ele apresentava olhos claros, cuja cor não soube bem distinguir.

— Boa noite! Senhor — o cumprimento quebrando o silêncio. Ele acena com a cabeça me avaliando com um olhar aturdido, me senti um pouco estranha e me perguntei se havia algo de errado comigo — A Giovana e eu somos do mesmo time — continuo depois de pigarrear — Se quiser, posso entregar a garrafinha pra ela.

Ele me entrega a garrafa ainda em silêncio, talvez ele não gostasse de conversar com estranhos intrometidos, penso cabreira, seguro a garrafa debaixo do braço já que minha mão direita estava ocupada pelo copo e a outra pelo pacote de bolacha. Começo a seguir meu caminho quando escuto sua voz grave.

— Obrigado!

— Por nada! — digo me virando de lado para depois me apressar, Ana com certeza já até havia desmaiado depois de tanta demora.

Quando em fim retorno para a quadra o estado de Ana parece um pouco melhor, ela toma a água e me agradece pelo pacote de bolacha, segundo o que havia dito ela não havia comido nada durante a tarde por isso se sentiu mal.

Aproveito que Suzana esta ao meu lado e peço para que ela avise depois o pessoal da cantina, a treinadora assente e me agradece dando batidinhas em meu ombro esquerdo.

Ainda com a garrafinha em mãos procuro Giovana entre as meninas da equipe, a encontro um pouco mais afastada e caminho até ela.

— Sua garrafinha. — digo entregando-a. Ela me dirige um olhar expressivo que me chama a atenção, porém mesmo curiosa me afasto rapidamente evitando assim algum tipo de desentendimento. Brigar antes da competição não seria só desagradável para mim, mas também prejudicaria o jogo.

Me ajuntei no aglomerado de garotas que a treinadora reunia freneticamente, a Suzana agitada havia retornado para deixar os nervos a flor da pele, ela era assim, hiperativa, brava e totalmente explosiva, mas era totalmente visível que por trás de tanta cacofonia havia um grande coração.

— Aquecimento, Agora! — grita para todas. Imediatamente deixamos nossos lugares invadindo o campo determinadas, nossas adversárias também ocupava o gramado se aquecendo.


Fiquei feliz ao ver que Ana já estava totalmente recuperada e enérgica, hoje era um ótimo dia para uma partida, penso enquanto encaro rapidamente o céu estrelado. Depois do monótono e previsível discurso da diretora a qual levemente dei ouvidos, pois estava com os olhos nas arquibancadas o jogo se inicia.

Um lado da plateia vaia quando perdemos a bola enquanto o outro lado explode com incentivos e palmas, com certeza seria um empate duro, as adversárias em seus delicados uniformes rosa-claro se mostravam osso duro, seria acirrada a competição.

Tentamos ao máximo colocar em práticas o que fora intruido nos treinos, cada um na sua formação. Izabel nossa volante me passa a bola, mas por um descuido a perco para defesa da outra equipe. Não desanimo e tento recupera-la respeitando o limite da minha posição no campo.

Não podia sair muito da minha área próxima ao gol adversário, já que meu objetivo era o ataque. Giovana que se encontrava próxima a mim, recupera a bola e estrategicamente me posiciono mais perto da trave, porém para minha chateação e surpresa não tão imprevisível me evita, marcando assim o primeiro gol da noite, ela me dirige em seguida um olhar desafiador.

Nossa escola comemora enquanto as garotas da nossa equipe a rodeiam comemorando, observo de longe o aglomerado de corpos uniformizados em azul-marinho pularem e gritarem eufóricas. Permaneci no mesmo lugar com o semblante azedo, mais parecia uma das garotas da equipe adversária.

Novamente a partida começa e as ações de Giovana se mostraram as mesmas, egoístas e soberbas. Quando o juiz assoprou o apito anunciado o término do jogo o sentimento que deveria me domar era a felicidade e satisfação, afinal havíamos vencido num trabalhoso embate de dois a um, porém tudo que senti foi um joelho dolorido na companhia de um coração magoado.

Me senti desnecessária, e ao longo de tudo aquilo me senti vencida, pequena e impotente, mercê da minha própria desmotivação, eu a odiei por me fazer sentir assim e odiei a mim mesma por odiá-la. Uma confusão de emoções se debatendo de forma constante.

Parti para o vestiário tomar banho, deixei a água fria varrer o suor e a sujeira para o ralo, ainda emotiva me vesti com uma regata preta simples e um short de moletinho na cor cinza. Caminhei lentamente até a saída da escola que se encontrava movimentada, observei abraços calorosos e sorrisos radiantes.

Em meio aquilo tudo escutei alguém me chamar e meus olhos encontram as íris azuis de Igor, ele acenava para mim sorridente. Meu coração martela alegre no peito.

Eu não estava sozinha.

Não posso ser sua amigaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora