Capítulo 40 - Destino

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23 dias antes do Juízo Final

O rei dos esgotos era um homem de difícil acesso, a cidade inteira poderia ser seu lar, de um extremo ao outro de Riverside ele construía residência. E para piorar, com a aproximação do fim dos tempos, o pavor tomava conta de muitos cidadãos, andar nas ruas era o equivalente a caminhar num hospício a céu aberto. Os conflitos entre os grupos extremistas de adesão ou não ao suicídio, popularmente conhecidos de branco e vermelho, se intensificaram, e eu me sentia num apocalipse mental.

Deixei uma mulher grávida em casa, na iminência de dar a luz para procurar por uma figura difícil de rastrear numa cidade a beira da loucura, parecia imprudência e ignorância, entretanto, tudo que fazia era pensando no bem-estar de todos. Se ao invés de ficarem lamentando os infortúnios ou debatendo a moralidade da vida, tentassem fazer algo para impedir a sinfonia, teríamos uma probabilidade muito maior de sobreviver e proteger quem amamos.

Mas não é assim que o mundo funciona, enquanto existir pessoas, existirá incertezas e divergências, afinal de contas, a natureza se equilibra com o caos desordenado e aparentemente sem sentido das coisas, sinto que em meio as convergências da mente talvez haja um caminho disforme não compreendido por nossa limitação.

Interessante como os preceitos se alteram. ou em alguns casos, evoluem com o tempo. Um ano atrás, dispunha de uma opinião bem concreta sobre explicações existenciais, e hoje, graças a um evento, tenho outras convicções diferentes se entrelaçando. O mesmo homem que se esquivou por um tempo falar sobre Deus, procura pistas com fortes tendências a acreditar que seres além do nosso conhecimento existem, que habitam no âmago de nossa mente e vivem suas vidas numa moradia interior.

Curioso como o destino nos prega peças e brinca com nossas vidas, às vezes, tenho a impressão de que corremos num labirinto, cada qual percorrendo os tortuosos corredores que parecem infinitos, sem nem imaginar que independentemente do trajeto que tomamos, a saída é sempre a mesma, e de cima, alguém nos observa perdidos como insetos neste emaranhado de possibilidades.

Se Archie seria parte deste caminho ou não, eu tinha que tentar, a esta altura, todas minhas possibilidades estavam se esgotando e não havia tempo para dúvidas.

Depois de andar alguns quilômetros por ruas, becos e estações, quando já estava cedendo ao cansaço, vejo ao atravessar uma ponte, em baixo dela, um grupo de moradores de rua próximos ao rio que contorna a cidade, estavam em uma quantidade razoável, talvez uns trinta. Com a aglomeração que ali geraram, não tive dúvidas de que naquele lugar estaria o rei dos esgotos.

Me aproximei devagar, tentando não chamar tanta atenção, e pude ver Archie ao centro com uma carta que lia em voz alta, ao redor deles, todos prestavam enorme atenção, ambientando uma espécie de reunião, ou talvez, uma celebração, não soube dizer exatamente de início o que poderia ser.

"Eu não poderia partir deste mundo sem ao menos pronunciar uma única palavra a vocês, que por tanto tempo permaneceram ao meu lado, sem nem saberem quem sou ou de onde vim, nas ruas aprendi que temos uma lei diferente, algo acima da moralidade comum, não nos apegamos a títulos ou bens, muito menos a imagens ou crenças, simplesmente existimos como seres humanos, nos aliando sem precisar de nenhum ganho, prezamos o básico da vida, aquilo que realmente importa.

Sei que nem todos vocês optaram por este caminho, alguns choravam durante as noites geladas e gemiam com fome. Tivemos mal momentos, algumas provações que ascenderam nosso espírito, que nos fizeram homens e mulheres diferentes do que um dia fomos.

Impossível escrever isto e não mencionar o nosso rei, o homem que transformou nossas desvantagens em vantagens, as condições adversas em trabalho e com maestria repartia de igual maneira tudo que recebia. No fim, posso dizer que vivi uma boa vida, mas antes, quero esclarecer uma coisa, e partilhar esta simples mensagem. Se me afastei de vocês, não foi por menosprezá-los ou para abandoná-los, mas uma missão muito grande veio pelos rios de Riverside até mim, e não pude negligenciar seu chamado. Não sei se qualquer um presente no momento que esta carta for lida acredite em destino, ou em predestinação, entretanto, alguns eventos depois de muito tempo de vida, me fizeram refletir sobre isto. Como sabem, jamais usei minha voz, alguns afirmavam que fosse mudo, outros que não gostava das pessoas, mas a verdade, é que prometi usá-la somente quando fosse de fato necessário, no momento que o destino exigisse que tal ação precisasse acontecer, afinal de contas, os mais sábios escutam ao invés de falar. Os motivos que me levaram a isto não são relevantes para serem contados, o importante é que este dia aconteceu, e não foi da forma que imaginei. E naquele instante a ideia de destino passou a atiçar minha mente.

A sinfonia do juízo finalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora