E se... o ano começasse na segunda estrela à direita?

468 19 4
                                    

A festa ainda segue como se estivesse no começo, não no fim. Logo os fogos clarearão o céu do Rio de Janeiro, os brindes serão feitos, os abraços distribuídos e, dessa vez, sem nenhum tombo coletivo na piscina.

Marcos zanza pela casa, parando aqui e ali, entrando em algumas conversas e se retirando de outras com maestria. É estranho estar ali sem seu pai, o primeiro réveillon depois da sua morte. Apesar de não estar presente, o patriarca da família Prado Monteiro é lembrado por todos naquele ambiente, em frases carregadas de nostalgia e carinho. O filho mais velho, porém, não consegue falar do pai com tanta facilidade, a garganta fecha, o nó se forma e para ele é quase impossível segurar o choro. Embora fossem muito diferentes em vários aspectos – enquanto Marcos prezava pela liberdade de viver o momento, Alberto zelava pela responsabilidade de manter as regras, o que sempre causou embate entre pai e filho –, os dois se amavam muito e, paradoxalmente, também eram muito parecidos: no amor pelos livros e na teimosia, principalmente.

As memórias que Marcos carregava do pai eram agridoces. Por isso, durante toda a festa na mansão, o herdeiro da Prado Monteiro se preocupou com coisas alegres: brincar com Peter e Sofia no jardim, segurar seu pequeno sobrinho nos braços (e trocar algumas fraldas, é claro, para já ir treinando, já que queria, num futuro próximo, ter seus próprios filhos), conversar com os amigos de Bonsucesso que vieram especialmente para a festa, como a dona Terezinha, vizinha de Paloma, que ficara maravilhada com o convite. E é claro, ficar bem agarradinho com Paloma, sua esposa. Esposa. Ele ainda se deliciava com essa palavra.

É nesse instante, porém, que ele se dá conta de que perdeu a mulher de vista há algum tempo e não voltou a vê-la. Ele sai com passos apressados em direção à biblioteca, o lugar que ela mais ama na mansão – talvez estivesse lá, pedida entre os livros. Ao abrir a porta, encontra apenas Francisca e Ramon conversando, distraídos, ambos passando a mão na barriga enorme de grávida daquela mulher. Marcos se aproxima devagar, colocando a mão no ombro do jogador de basquete.

– Ei!

Ramon se vira para ele e sorri. Estica a mão e os dois se cumprimentam.

– Olha só quem apareceu, o dono da festa! Achei que você e a Paloma fossem aproveitar por mais tempo a escapada. – Ramon conclui a frase com uma piscada, a cumplicidade já familiar entre os dois.

Aturdido, Marcos coloca as mãos nos bolsos:

– Do quê que cê tá falando, Ramon?

– Ué, a gente tombou com a Paloma aqui biblioteca, mas ela tava toda apressada, dizendo que precisava resolver um assunto... Achei que era algo com você.

– Que coisa estranha! Eu tô procurando por ela exatamente porque não a vejo há um tempo. –Marcos franze a testa tentando entender.

– Você já tentou procurar por ela lá fora? – Francisca, que estava sentada em uma das poltronas, levanta-se com esforço, abraçando Ramon pela cintura e pousando a outra mão sobre o ventre.

– Na verdade eu vim direto pra biblioteca porque pensei que ela estivesse aqui... – Tenta encaixar as peças do quebra cabeça, mas nada parece fazer sentido – Bom, acho que eu vou ter que procurar em outro lugar.

– Vai lá, cara – Ramon dá um tapinha de incentivo no ombro do amigo – e avisa se precisar de qualquer coisa.

Marcos concorda em agradecimento e se retira, pensando onde poderia estar Paloma.

***

Depois de percorrer toda a mansão do lado de dentro, Marcos resolve procurar a namorada do lado de fora. Está cruzando o jardim, perto da piscina, quando escuta uma voz:

TERRA DO NUNCA MALOMAWhere stories live. Discover now