Onze.

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O jornal continuava sendo o mesmo. Independente do meu feriado ter sido bom ou não.

Estava chovendo um pouco, o que me deixou de humor instável. Não me leve a mal, mas, as vezes meu humor se alterava a depender do tempo. Isso acontecia sempre.

Estava sentado em minha mesa escrevendo um texto sobre a proclamação da república que seria necessário a ser feito.
Eu estava com o pensamento longe, ficava lembrando dos dias anteriores, os quais foram ótimos. Porém, sentia minha coluna ainda doer por causa do sofá.

Senti uma sombra sinuosa a minha retaguarda. O que eu achei estranho. Mas era Isabel, uma das melhores pessoas daquele jornal, ela era a moça da limpeza. Isabel segurava um copo de café e me entregará.

   - Como você está? - Perguntei.
   - Acordei com o pé esquerdo hoje.
   - Aconteceu algo?
   - Discuti com meu esposo, ele pensa como um neandertal. - Ela respira fundo e se senta ao meu lado. - Somos casados, mas, eu sou uma pessoa e não uma máquina.
    - Ele só deve se preocupar com você.
    - Ele só quer me proibir de fazer o que eu gosto. Como se meu valor estivesse apenas quando eu fico trabalhando em casa.
    - Você já pode votar, então pode trabalha onde quiser. Nunca deixe um homem lhe dizer o que deve fazer, caso o que ele diga seja algo que diminua seu valor.

Ela assentiu e sorriu para mim. Temo em dizer, mas isso seria a coisa mais difícil de se resolver. O pensamento machista corrói uma sociedade de forma assustadora. As mulheres já conquistaram tantas coisas dentre os últimos cinquenta anos. E ainda é um absurdo algum homem dizer qual roupa sua esposa deve usar ou uma esposa pedir permissão para sair.

Creio eu que no futuro tudo ficará diferente. As mulheres ocuparam altos cargos e serão personagens principais de muitas histórias. Elas iram dominar o mundo, tenho certeza disso.

    - Isabel, você sabe se o Pedro veio hoje? Quer dizer, ele deve ter trabalho para fazer hoje. - Perguntei quando ela estava se levantando.
    - Você não soube? Ele bateu o carro ontem.

Meu coração gelou naquele momento. Eu não estava sabendo de nada. Fiquei nervoso tentando pensar com foi, como ele estava. Talvez estivesse nítido em meu rosto a pânico.

    - Sabe se ele está bem? - Falei tremendo um pouco.
    - Soube que ele já está em casa, apenas isso.
    - Obrigado.

Comecei a bater o lápis na mesa. Precisava saber onde ele morava. Precisava ir visitar ele. Mas não sabia onde ele morava, não sabia como chegar lá.

Foi então que me lembrei de quando o Pedro apareceu na minha casa de surpresa. Ele olhou os arquivos. Com certeza a ficha dele estava lá, e eu poderia procurar pelo nome dele e enfim descobri onde ele morava. Eu tinha que descobrir.

Fui até a sala do senhor Silva, onde ficavam os arquivos.
A sala estava vazia. Senhor Silva também não estava no jornal naquele dia.
Tentei fazer o espião, vasculhando os arquivos e tentando não ser visto pela janela colocada no lugar errado.

Eram muitas informações para uma gaveta apenas. Uns sete minutos depois, consegui achar ficha dele. Peguei um papel e caneta na mesa do senhor Silva, e anotei o endereço. Eu nunca havia ido para aquelas bandas de Serpentina, mas, estava disposto a ir.

Peguei a ficha e me encaminhei ao arquivo para guardá-la, quando fui interceptado por uma voz familiar. Mas estava diferente do de costume. Não conseguia ver aquela dureza nas palavras, nem o cheiro bom que exalava a sua chegada. Bárbara estava diferente.

    - O que faz aqui? - Perguntei.
    - Onde está sua educação?
    - Desculpe meus modos, acabei de receber uma péssima notícia.
    - Lamento. Aconteceu algo com alguém importante?
    - Para mim, sim.
    - Imagino como deve ser a dor de receber uma notícia como essa. Perceber que alguém que gostamos possa estar morto. - Disse ela se aproximando de mim. - Ou em um estado deplorável.
    - Foi um acidente.
    - Automóvel? - Eu assenti com a cabeça. - Como se sente?
    - Preocupado.
    - Eu posso lhe ajudar?

Eu vi ela se aproximar ainda mais de mim. Mas eu não tinha forças para me afastar. Deveras, eu estava em um estado completamente fragilizado ainda. Mas devia ser forte. Senti ela me abraçar, e eu não recuei. Eu acho que precisava de um abraço amigo naquele momento.

Ela pós a cabeça no meu peito, e poderia jurar que estava tentando escutar meu coração.
Aquilo não seria possível, dizem que os sentimentos estão secretamente guardados no coração, mas, na verdade, eles estão no cérebro. Ficam lá em seus dormitórios. Então, não agia segundo o coração, mas sim, pelo cérebro.

Mas aquilo não importava a Bárbara. Acredito que para ela seria bem mais fácil cravar as unhas em meu coração do que se contentar em descobrir onde eram guardadas minhas pilhas emocionais.

E quando comecei a me desembrulhar de seus braços, ela colocou sua mão envolta do meu pescoço e me deu um beijo. Mas não foi um simples beijo rápido de adolescentes. Ela de fato me beijou em cheio. E, eu a senti como não havia senti antes. O beijo é a explosão de sensações em que duas pessoas poderiam trocar rapidamente. E ela estava fazendo isso comigo.

Quando me soltou, eu estava ofegante e de olhos arregalados.
Estávamos mudos, e talvez com uma súbita vergonha. Ela havia me beijado, e foi isso que aconteceu.

    - Com licença. - Falei e saí da sala.

Desci as escadas às pressas. Mas infelizmente voltei para pegar o endereço anotado ao papel. Ela não estava mais no escritório do senhor Silva. E não fazia ideia de onde estaria.

Peguei o primeiro táxi que vi, e disse o meu destino.
A viagem não demorará muito, mas me deu tempo suficiente para pensar no que havia acontecido minutos atrás.

Bárbara havia me beijado, e inconsequentemente eu havia concedido ao beijo. E tudo bem, eu não estava comprometido com ninguém, mas fiquei me sentindo culpado. Eu nunca conseguia beijar uma pessoa quando gostava de outra. E, eu estava naquela situação naquele momento.

Foi um beijo como fim de filme dos anos cinquenta. Onde os protagonistas estavam num baile de formatura, e a mocinha iria se mudar para outro país, enquanto o rapaz iria ficar e seguir a vida sem ela.

Quando cheguei ao meu destino, via outra Serpentina. Era um bairro comum, com casas simples, e um ou dois prédios. Estava no bairro certo, e na rua certa. Desci do carro, e me pus a andar sozinho.

Número trinta e sete.
Era uma casa pintada de vermelho, estava com a janela aberta e um garoto sentado nela. Devia ter uns sete anos. Cabelo preto, como de índio, e olhos verdes. Talvez fosse ali mesmo.

Cheguei mais perto, e bati na porta, ignorando o menino na janela.
Uma mulher me recebeu, e resolvi perguntar se ela conhecia o Pedro, para os parabéns a minha intuição, ela era a mãe dele.

Quando entrei na casa fui direcionado ao quarto onde Pedro estava.

Ele estava com o braço quebrado e alguns hematomas espalhados pelo corpo. Um corte no suspencilho. Ele sorriu ao me ver entrar pela porta, acho que não esperava a visita. Me sentei em uma poltrona ao lado da cama onde as visitas eram convidadas a se sentarem.

    - Rua Armando Leal, bairro São Tadeu, número trinta e sete. Foi até fácil te encontrar.
    - Como me achou?
    - Um magico não revela seus truques.
    - Não importa, eu sei quais são.

Ele deu de ombro, mas sabia como eu o havia encontrado.

    - Eu sinto muito pelo acidente. Como se sente?
    - Eu não morri, e isso que importa.
    - É, isso que importa. - Falei dando um riso desanimado.
    - Como foi hoje o jornal? Quer dizer, como vocês conseguiram suportar um dia sem a minha presença?
    - O jornal foi ótimo sem você.
    - Eu sou a alma sorridente daquele lugar, impossível ficar ótimo sem mim.

Nós rimos.

    - E você, como está.
    - Melhor agora.

E o tempo foi passando rápido até demais. Quando dei por mim, já estava dentro de um outro táxi indo de volta para casa.

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