Um.

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   Após o fim de um longo período de censura em todo país, pude perceber um novo horizonte nascer. Para pessoas como eu. Pessoas que formam noticias. Que formam opiniões. Pessoas que sempre são julgadas por entregarem os verdadeiros   fatos. Ser jornalista em plena ditadura, era uma prova de amor pela verdade. Pena que nas pequenas cidades, fomos logo calados. Mas, havia acabado. Provavelmente, alguma coisa de boa poderia acontecer. Eu sentia isso.
     Mas não para pessoas como eu também. Quer dizer, todos podem ser livres, mas eu não me sinto muito apto para isso. Não pelo fato de não ser como todo homem a minha volta é. Se alguém soubesse sobre mim, não aceitariam o fato. É uma outra ditadura incansável.

O jornal da cidade foi reaberto. Ficava em frente a uma grande praça. Próximo de onde era um palácio de férias do imperador, que agora era usada como uma biblioteca mal conservada.
De fato, era perfeito em poder voltar ao meu habitat natural. Me sentia amplamente revigorado lá.
Eu trabalhava a quase um ano no jornal. E, eu amava tudo que envolvesse aquilo. Eu era redator. Não era o que meus pais queriam, mas foi o que eu escolhi para mim.

Era quarta-feira, e me sentei na mesma mesa de sempre, junto a uma janela, onde eu tinha uma perfeita vista da praça, e do antigo palácio de férias.

– Eric, preciso de um favor seu. - Falou senhor Silva, o dono do jornal.

Eu não podia me recusar em cumprir um favor dele.
O senhor Silva sempre foi como um pai para mim. Ele me deixou trabalhar lá, quando mesmo eu não sabia de nada. Ele era pai de duas gêmeas lindas. Ana e Luíza.

E meu nome, Eric Montalvão Pereira. Geralmente assinava meu nome com apenas Eric, sempre achei que ficaria em desvantagem usar apenas um sobrenome. Ou usava os dois, ou como sempre, usava apenas meu primeiro nome.

Pedi licença e entrei na sala do senhor Silva, dois minutos após ele ter me convocado.
Era uma sala consideravelmente ampla. Um tanto pintadas em cores básicas. Branco e uma parede em marrom. Gostava do contraste. Silva estava sentado em sua mesa, coçando seu quase inexistente cabelo.

Ele parecia ter acabado de dar algum riso quando entrei. Aparentemente não estava só.
Ao lado da porta, estava parado um rapaz, um pouco mais baixo que eu. Eu nunca o havia visto ali. Provavelmente poderia ser novo na cidade. Acenei para ele, e ele respondeu com o mesmo aceno.
Parei em frente a mesa. O senhor Silva, se aproximou de mim, e senti que ele não iria demorar muito. Não era do seu fetiche se demorar para dizer algo.

– Eric, meu filho. Esse é Pedro, será nosso fotógrafo. - Ele fez uma pausa, e continuou. – Ele veio da capital e foi super recomendado pelo O Foco, a nossa parceira.
– Fico honrado em está podendo fazer parte dessa equipe, senhor Silva. - Disse o rapaz.
– Senhor, desculpa, eu não entendi, no que quer minha ajuda? - Perguntei.
– Preciso que você acompanhe-o nesse dia. Além do mais, o trabalho de um vai complementar o do outro, não é?
– Ah, claro senhor. - Falei, sem muito entusiasmo.

Silva me dava um sorriso discreto, como que estivesse tentando me dizer que seria ótimo conhecer pessoas novas. Ele sempre soube que eu vivia preso no meu mundo. No meu mundo secreto. E ter um estranho entrando forçadamente no meu mundo, era um pouco estranho.

Levei Pedro para conhecer o lugar.
Da porta da entrada até mesmo a antena de radio.
Pedro me parecia ser alguém profundamente curioso. Isso era nítido em seus olhos. Me vi emprisionado por ter ficado super atento a tudo que eu falava. Percebia que ele também sabia muito do assunto, o que me deixou mais confortável.

– Pessoas como você, sabem de muitas coisas. - Disse ele.
– Só sei o que me ensinaram. - Respondi.
– Não, talvez você saiba mais do que te ensinaram.

Eu dei de ombros.

– Tem um lugar que você ainda não conhece. - Falei.

Levei ele até os fundos do jornal. Onde tinha um jardim suspenso que eu havia projetado. O projeto que me rendera noites de insonia terríveis. Sempre gostei de plantas. Na verdade, sempre fui apaixonado pelas coisas minimalistas. Elas me conquistavam. E eu amava.

Pedro me olhava ainda de uma forma que estava começando a me dar incômodos. Os seus olhos verdes, me deixava terrivelmente arrisco. Não pelo fato de serem verdes, mas pelo fato de sorrirem.

– Como é trabalha aqui? No jornal?
– E o melhor lugar que eu gostaria de trabalhar.
– Eu queria ser psicologo, mas não gosto de terapias, então, virei fotógrafo.

Rimos.

– As pessoas não falam do seu cabelo? Quer dizer, só pelo fato dele ser grande?

O cabelo do Pedro era na altura dos ombros. E eu, sempre fui curioso. Curioso ao ponto de fazer uma pergunta como essa. Talvez indiscreta. Talvez inconveniente. Mas, era uma pergunta. Sempre era só uma pergunta.

– Eu não ligo para o que elas falam sobre meu cabelo. E daí se me confundam com uma mulher? Eu e ela já temos algo em comum.
– O que?
– Alguns gostos.

Pedro?
PEDRO?
Não consigo acreditar, nisso, mas não havia nada concreto em minha mente. Apenas uma ideia.

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