Sete.

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   Na segunda-feira, a edição especial de Raimundo Borges já estava pronta para tomar as caras nas ruas.
Nada naquilo me deixava satisfeito. Éramos livres ou estávamos sob o julgo de um outro tipo de ditadura? Aquela que só podemos noticiar o que querem ou que não podemos mostrar os dois lados de uma notícia.
Mas eu sabia que a partir daquele momento todo dia receberíamos uma carta de Raimundo com o intuito de publicar algo que ele queria.

Aproximadamente as dez horas da manhã eu estava sentado em minha mesa. Olhando afoito para a janela. Era um dia monótono. Sem grandes afazeres. Sem grandes eventos. Era um dia quente, e dias quentes me deixam com tédio.

Comecei a perceber um pequeno burburinho atrás de mim. Ouvia a voz de Adelaide ressoar de forma forte. Mas ela sempre tivera essa forte voz, mas, naquele momento está pior.

- Eric, tem uma pessoa que quer falar com você, na sala do Silva.

Eu não era o do tipo que recebia visitas. Muito menos visitas importante a ponto do senhor Silva ceder sua sala. Mas, no exato momento me ocorreu a mente que era Raimundo Borges, que estava à minha espera na sala. Ele não deve ter gostado de algo na publicação e veio pessoalmente até o jornal em busca de uma explicação.

Para acabar com minha expectativa não era Raimundo que estava à beira da janela observando. Era Bárbara. Senti um arrepio diferente na coluna. Me senti estranho aos passos dava ao interior da sala.

Ela usava uma espécie de terno feminino. Estava muito bonita por sinal.

- Vim lhe dar os parabéns, meu pai ficou ótimo como matéria principal.
- Só fiz o meu trabalho. - Respirei fundo e soltei o ar de vez. - Preciso voltar ao jornal.
- Meu pai vai oferecer um jantar com algumas pessoas, e como gratidão pelo seu ótimo trabalho, decidiu lhe chamar.
- Ele deveria convidar o senhor Silva ou quem sabe, o jornal todo...
- Ou quem sabe somente você. - Disse Bárbara me interrompendo. - Não me leve a mal, mas, não deveria recusar um convite de Raimundo Borges, não no local onde você trabalha.
- Foi o seu pai mesmo que mandou me chamar?

Ela não respondeu.
Mas estava nítido, não havia nenhum convite de Raimundo Borges. Obviamente um homem como ele, não ousaria se misturar com jornalistas.

- Eu não me atreveria a pisar meus pés aqui se não fosse algo de interesse mútuo entre mim e meu pai.

Eu do de ombros.
Penso: O que aconteceria se caso eu fosse.
Penso: O que aconteceria caso eu não fosse.

Ela poderia fazer o que quiser. Bárbara poderia facilmente inventar algum descaso ao seu pai, e com isso atrapalhar o nosso jornal. Ou quem sabe, a depender, eu poderia dar adeus ao jornal. Eu não queria me atrever a uma chantagem. Mas, seria apenas um jantar. Nada mais disso.

- Amanhã, às seis e meia, na mansão da minha família. Seja pontual.

E ela saiu como um míssil daquela sala. O cheiro do seu perfume ficou empregando na sala inteira. Era um doce aroma, algo que não combinava com sua personalidade.
Mas, talvez fosse somente um jantar de gratidão. Acho que eu não precisaria me preocupar tanto. Isso sempre acontecia, eu acho.

Não sei o que aconteceu comigo o resto daquele dia.
Comecei a me sentir estranho.
Na verdade, eu já me sentia estranho a uns dias. Uma impaciência. Meu coração disparado, e não estava conseguindo me concentrar em escrever algo para o jornal.

Estava com um ar de nervoso, mas sem motivo. Me sentia sensível. Como se meu psiquismo estivesse enfrentando uma crise. Eu ficava olhando o horário, na ânsia de vê-lo passar rápido. Fiquei olhando o ponteiro menor tentando perseguir o maior, mas o maior era bem mais rápido. Não havia mais nada para ser feito no jornal. Minhas mãos suavam. Eu me sentia lento. Estava entrando em pânico, era a única explicação.

Não conseguia raciocinar. Não tinha como. Eram infinitos pensamentos.
Ouvia minha mente pensar em muitas coisas ao mesmo tempo. Via Bárbara apontando o dedo para mim. Via Pedro me olhando distante. O senhor Silva me dando bronca. Tudo aquilo me sucumbindo. Era impossível eu me sentir bem novamente. Eu só queria sair dali. Queria ir para casa urgente, mas se eu fosse para casa, iria ser pior. Eu iria está sozinho. Estaria na minha companhia. Eu não queria está na minha companhia.

Eu só queria alguma coisa que me desligasse naquele momento.

Desci as escadas do jornal correndo. Eu precisava sair dali. Meu corpo me direcionou para a única universidade da cidade.
Bom, digamos que eu não podia entrar naquele lugar. Não que eu tivera sido proibido. Mas, algumas vezes que eu me deparava em um momento como esse, minhas formas para me aliviar não eram boas. Nunca eram boas.

Subia as escadas numa velocidade absurdamente ansiosa. Em poucos minutos já estava no último andar do prédio. Na porta da sala quatrocentos e quinze. Não fazia a mínima ideia que aula era aquela, mas sabia que eram alunos de medicina. Entrei sorrateiro na sala sem ser notado pelo professor, e me sentei atrás de um rapaz loiro.
Era André. André Carvalho. Um típico garoto de família nobre, porém falida de Serpentina.

- O que você quer? - Perguntou André ao perceber que eu estava sentado as suas costas.
- Você sabe.
- Pensei que havia parado.
- Cala a boca. - Falei.

Ele me conduziu-o ao banheiro. Tirou de dentro da mochila uma caixa de metal. Dentro dela havia alguns pequenos pacotes de droga. Cada um havia uma etiqueta escrita o seu nome e valor.

Fazia um grande tempo que eu não fazia aquilo. Quer dizer, eu quase nunca fazia aquilo, e acabava me culpando quando fazia. Mas, eu estava no meu limite. Eu tinha que me desligar.
De alguma forma.
Eu ainda estava calado, não queria me dar ao luxo de ter que escolher alguma.

- Olha, essa aqui chegou ontem - ele pegou um pacote pequeno e me entregou. -, é o de sempre, mas, não é como um salgado dormido da cantina.

Eu peguei.
Dei a ele o dinheiro e me virei de costas.
Para meu completo espanto, encontrei uma imagem familiar ali. Pedro estava lá, perante a porta do banheiro. Ele olhava sério para mim, com ar de reprovação. Seus olhos estavam frios, e não havia um sorriso decorando seu rosto.

André recolheu suas coisas e saiu do banheiro, nos deixando a sós.
Eu tentei esconder o pacote que receberá, mas era tarde demais. Com toda certeza, ele já sabia do que se tratava.

- O que você faz aqui? - Perguntei.
- Eu vi você saindo afoito do jornal, pensei que tivesse acontecido algo. Você quase foi atropelado quando atravessou a rua. Vi você entrando aqui e resolvi ver se estava tudo bem. - Ele respirou fundo. - Agora me diz você, o que faz aqui?
- Não é nada.
- Não é nada? Eric, eu vi o que você comprou, e não o julgo por isso, mas, meu Deus, por qual motivo faz isso?
- Eu não sei. - Tentei sair do banheiro, mas fui impedido por Pedro. - Você precisa me deixar sair!

Eu tentei sair novamente do banheiro, mas ele pegou no meu braço me impedindo. Peguei o pacote do bolso e joguei pela janela. Olhei para ele com cara de raiva, e um tanto emotiva. Ele ainda estava sério o suficiente, mas ainda no seu olhar eu via aquela calma que eu precisava.

- Agora me deixa passar.
- Eric, eu só quero tentar te ajudar.
- O que? Está achando que eu sou um drogado desajuizado? Que não sei raciocinar? Que não sei fazer minhas escolhas? E daí que eu seja? Você não sabe como é vestir essa pele que eu visto. Ter a mente que eu tenho. - E só depois de uns segundo que percebi minhas lágrimas escorrendo pelo meu rosto. - Eu só quero me desligar, Pedro. Eu preciso me desligar.

Me sentei no chão. Apoiei minhas costas na parede ao lado do mictório. Fedia um pouco, mas não fazia diferença, eu estava exausto, minha mente estava um peso, e eu só precisava descansar um pouco. Era somente isso que eu queria.

Uns segundos depois, Pedro se sentou ao meu lado. Eu apoiei minha cabeça em seu ombro, e fiquei aninhado ali.

- Assim como você uma vez falou que poderia ser um monstro, eu também escondo minhas garras algumas vezes, assim sempre é mais fácil.
- Você não precisa esconder as coisas de mim. - Respondeu Pedro.
- Eu sei que não preciso, mas esse sou eu, aquele que esconde tudo de todos.

Ele se levantou e me estendeu a mão.

- Vem, vou te levar para casa.

Assenti e segurei a mão dele para me levantar do chão.
Talvez fosse isso que eu precisava.

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