Três.

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Sobre aquela sexta-feira? Ela ficou gravada de uma forma especial na minha memória. Foi como um filme antigo. Sem grande elenco, ou verba, mas foi perfeito. Foi do jeito que deveria ser. Foi do jeito que era para ser. Foi como eu não esperava.

No outro dia eu não fui para o jornal. Me sentia indisposto.
Liguei de um telefone público ao lado da minha casa para o senhor Silva, que assentiu meu pedido.
Não me sentia disposto suficiente para levantar da cama. Alguns dias eu tendo a fazer isso. Não era uma manhã. Era apenas uma indisposição. Aquela indisposição que te trava na cama e te impede de tudo. Aquele garoto levado que você esconde dentro de si, e te insiste a todo custo de fazer as suas vontades.

Confesso, quando estava deitado em minha cama, fiquei pensando no que havia acontecido no dia anterior. Me sentia ainda nervoso. Um estranho frio na barriga. Mas, àquela grande vontade de poder repetir o mesmo dia. Eu queria repetir tudo de novo. Queria sentir aquele misterioso frio na barriga, e as mãos suarem como antes. Queria aquela leve preocupação de me sentir diferente. E isso é impossível. Pois, eu não tenho o controle do tempo. Não posso mandar no relógio, mesmo possuindo essa agonizante vontade.

Queria ter o poder de dizer ao tempo que ele deveria me obedecer. Dizer corra, e ele correr. Mas não está no meu domínio. Não posso dominar esse feito.

Sempre quando fechava os olhos, via a mão dele na minha coxa. Abria e fechava novamente. Via minha mão no pescoço dele. Droga, eu não queria pensar naquilo. Eu queria continuar com minha vida, como era antes. Mas, naquele momento era impossível. Eu iria lembrar dele. Eu sabia que iria.

Levantei.
Fui levado arrastado até o banheiro.
Tomei um banho e fui fazer algo para almoçar.
Já passava do meio dia. E meu relógio biológico havia me despertado de uma maneira assombrosa.
Digamos que eu não era a melhor pessoa para cozinhar, mas, pelo menos nunca passei mal comendo ela. Cada domingo eu inventava uma coisa diferente para comer. Mas, primeiro que ainda era sábado e era dia de comer sobras, mas, eu só queria ficar de cama.

Novamente fui arrastado para minha cama. Onde passei as duas horas seguintes em baixo de uma coberta – mesmo fazendo um calor terrível. Acho que peguei no sono, mas a única coisa que eu lembro foi de ouvir três incansáveis batidas na porta.
Eu fingi não ouvir, como sempre faço, e lancei a coberta por cima da cabeça, como se fosse um escudo contra as adversidades e momentos mundanos. Mas a proteção contra mundo, não funcionou, ouvi mais três batidas.
Me levantei, vesti uma camisa amarela e um short preto e fui atender a porta. Olhei primeiro pelo olho magico, e era um rosto familiar. Mas não acreditava que ele estava ali.
Nem falei onde morava.
Era Pedro. Sim, o mesmo Pedro. Aquele do jornal e do sorvete de chocolate.

– Eu sei que você espiou pela porta, Eric Montalvão Pereira. Que mora na rua das acácias, avenida Clóvis Pinheiro, prédio número 43, apartamento 11. A exatamente quinze minutos do jornal. - Disse Pedro. – E proclamo dizendo, que o dia foi maravilhoso sem você naquele jornal.

Abri a porta.

– Não tem como isso ser verdade. - Falei. – O jornal não tem alma sem mim.
– Roubei seu lugar, palhaço.

Convidei ele para entrar, pois era isso que qualquer pessoa faria.

Meu apartamento digamos que era um pouco maior que uma caixa de sapato. Havia uma janela larga em uma parede, que dava visão a torre de uma igreja. Quatorze horas mais cedo, eu havia colocado um colchão novo na sala. Bom, aquele deveria ser meu sofá, mas estava entupido de jornais velhos que eu deveria estudar.
Tirei os jornais, e o convidei para se sentar.
Ele estava com o cabelo preso, e usava um óculos redondo que encaixava perfeitamente com seu rosto.

Ficamos calados por um tempo.
Ele estava sentado com as pernas flexionadas. Então por algum instinto totalmente involuntário e desconhecido, coloquei minha cabeça apoiada nos joelhos dele. Ele estava cheirando. Era um cheiro bom. Como cheiro de perfume de criança. Ou alfazema. Mas não que eu quisesse que ele soubesse disso.

– Como me achou? - Perguntei ainda de cabeça baixa.
– Eu só olhei o arquivo. Acabei achando sua documentação, e uma foto 3x4 perfeita.
– Não deveria fazer isso.
– É, não deveria, mas precisava saber onde você se escondia.
– Para me roubar? - Perguntei.
– Não, para te ver.

Já havia percebido que ele é ótimo em fazer aquilo. Em me deixar sem palavras. Não havia necessidade disso. Eu simplesmente não sabia o que responder a ele. Eu sabia que ele estava olhando para mim, mas eu ainda permanecia de cabeça baixa.

Me levantei e liguei meu rádio. Estava passando A Canção Jovem, com a música Don't Stop Me Now, do Queen. E eu sempre fui completamente apaixonado pelo Queen. Meu quarto havia pendurado três pôsteres da banda. E uns dois discos de vinil colados na parede. Sobre os discos, não fazia a mínima ideia de quem fosse, mas deixava meu quarto mais bonito.

Voltei, e me sentei ao lado dele. Encolhi minhas mãos para que ele não tentasse pegar. Fiquei olhando para a parede, e não sabia para onde ele estava tentando olhar.
Estávamos em completo silêncio. Apenas a música tocava.

– Se quiser posso ir embora. - Disse Pedro.
– Não precisa. Não quero que você vá. - Falei depois de alguns segundos.
– Você é estranho, Eric. Eu gosto disso.

Me virei e fiquei frente a ele.
Apenas ali, sentado. Sem dizer nada. Sem fazer nada. Ele me olhava de uma forma simples demais. Eu não via maldade naqueles olhos verdes. Mesmo que quisesse, não conseguia.

– Eu posso ser um monstro. - Ele falou. – E te magoar, algumas pessoas podem pensar isso de mim.
– Não quero te conhecer pelo que falam de você, mas pelo que aprendo sobre você. Todos temos monstros, aqueles que sempre escondemos do mundo, para não sermos julgados ou exilados.
– Ainda assim você é estranho. - Disse ele sorrindo para mim.

Eu sorri de volta.
Na verdade, era quase impossível não ser contagiado por aquele sorriso. Pedro,Pedro Souza. O cara que nunca usa o sobrenome do pai. O garoto que dorme asquatro da madrugada. A pessoa que estava sentada no colchão no meio da minhasala.
Não fizemos nada, apenas ficamos ali. Parados. Ainda conversando.
Depois, deitei no colo dele, e ele começou a brincar com meu quase super curtocabelo. Não deveria fazer aquilo, era um outro golpe baixo sobre mim

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