Oito.

93 65 10
                                    

Entreguei a chave do apartamento para que Pedro pudesse abrir a porta para mim. Estava com uma mega dor de cabeça, não conseguia enxergar direito. Minha visão estava um pouco embaçada.

Lancei minhas coisas ao chão ao lado da porta e fui tomar um banho. Pedro deve ter ficado sentado perante a janela.

Não queria que ele ficasse ali. Não queria que ele se preocupasse comigo. Não queria em nenhuma hipótese isso. Eu apenas queria está no meu mais querente estado de espirito.

Quando terminei do banho me enrolei na toalha e fui para o quarto vestir alguma roupa. E como de costume, vesti a primeira que vi pela frente. Uma camisa do meu pai e uma samba-canção que usava de short.

E lá estava ele. Sentado à beira da janela olhando as pessoas passarem pela rua.

O vento batia em seu rosto, e o deixava mais bonito. E, admitir que ele estava bonito não era mais um paradigma para mim. Eu estava aprendendo a cada dia que não precisava me censurar tanto. A censura acabou, mas, eu ainda me sentia preso, mas em mim mesmo.

   – Se sente melhor?
   – Um pouco. - Falei.

Me sentei no colchão que ainda estava na sala. E de manso ele se sentou ao meu lado. Eu estava um pouco lerdo por causa do remédio, e só queria dormir um pouco. Me deitei em um lado do colchão, deixando meus pés ficarem expostos ao chão.

Pedro começou a passar a mão nos meus cabelos, mas não sentia seu olhar sobre mim.

   – Está ficando tarde para você voltar para casa. - Indaguei.
   – Só irei quando você se sentir melhor.
   – E se isso levar a noite inteira?
   – Dormirei aqui mesmo, enquanto você dorme na sua cama.
   – Por que você está fazendo isso?
   – Eu sei como é a vida, Eric. Eu sei que é difícil passar por problemas e não ter um ombro amigo. Dizem que a gente só aprende vivendo, mas, tem coisas que podemos evitar. E não importa o que você falar, eu vou continuar aqui.

Fiquei em silêncio.

Não quis responder a ele. Mas o que eu queria dizer mesmo é que era incrível ele fazer aquilo por mim. Me sentia tão diferente. Tão especial. Pedro era ótimo em me fazer sentir assim.

Ele parou de alisar meus cabelos e começou a contornar meu rosto com o dedo. As sobrancelhas, meu odioso nariz, meu queixo e boca. Contornou tudo. Achei engraçado o que ele estava fazendo. Nunca havia visto alguém fazer isso em vida. Mas, minha curiosidade era maior que minha dor de cabeça.

   – O que está fazendo? - Perguntei.
   – Estou te desenhando.
   – Por quê?
   – Para te decorar, para gravar em meu consciente seus detalhes. Todos os seus cento e cinquenta detalhes.
   – São poucos.
   – São infinitos.

E ele beijou minha testa. E eu assenti e o beijei na mão.

Continuei ali deitado, e aos poucos senti meu corpo se desligar aos poucos. Até meus faróis se apagarem e se ascenderem no outro dia ao som do meu despertador. Era só um novo dia que havia começado.

Pedro estava ali, com um ninho de passarinho no lugar do seu cabelo. Mas, infelizmente ainda estava bonito.

Saímos de casa e fomos ao Birolous, uma cafeteria que ficava na esquina da avenida Clóvis Pinheiro. Ondina, a dona do espaço era como uma segunda mãe para mim. Ela havia sido a primeira pessoa que eu conheci quando me mudei para Serpentina. Ela era uma mulher no auge de seus quarenta e cinco anos. Sempre usando seu batom vermelho e vestido decotado. Ela tinha cabelo lisos bem longos, na altura da cintura, e era solteira, dizia que não queria casar novamente.

Quando tomávamos café, estava tocando Agenor de Miranda Araújo Neto, quer dizer, Cazuza no velho rádio. E para minha supressa, Pedro estava cantarolando bem baixo a música. Era a música Codinome Beija-Flor. Senti uma certa tristeza em sua letra, mas, sabia que seria uma grande música um dia. Na verdade, Cazuza ainda seria um grande nome na música brasileira, e teria uma longa vida.

Ondina olhava para mim de relance, eu tentava não encontrar seu olhar. Engraçado, mas acredito que ela sempre soube de mim. Quer dizer, eu nunca havia contado nada, mas, seus gestos diziam que sabia. A aqueles que dizem que as mães sempre sabem, mas nem sempre admitem, e Ondina era esse tipo de mãe para mim.

   – Os rapazes querem mais alguma coisa?
   – Estou satisfeito. - Falou Pedro.
   – Ah, bem diferente do Eric, se o trabalho não falar mais alto, ele passa o dia todo aqui provando das mais diferentes tortas.
   – Ele não parece que come desta forma.
   – Faz pior meu anjo! - Disse ela, pegando uma cadeira e se sentando ao nosso lado. – O Eric nunca traz amigos aqui, sinto que você é privilegiado.

Pedro ri, e eu morro de vergonha.

   – Ele não tem cara que tem muitos amigos, ele é chato, um jornalista chato.
   – Mas ele é meu filho, mesmo não tendo saído de mim.
   – Seus olhos tem a mesma cor.
   – Falando em olhos, que lindos olhos verdes, acredito que encantaria a qualquer um. - Disse Ondina olhando de relance para mim.
    – Às vezes não. Tem pessoas que não ligam para olhos.
    – Às vezes um coração é mais importante. - Falei. – E, sobre ser importante, precisamos ir para o jornal.

Eu estava com vergonha. Mas me levantei da mesa, paguei a Ondina, a qual me deu um abraço e um beijo na testa.

O dia no jornal foi como todos os outros dias. Bem normal. Sem nada de novo. Sem nada de mirabolante. Sem grandes eventos. E aquele dia passou bem rápido. O fato de passar bem rápido não era tão bom assim. Eu queria poder aproveitar o dia todo. Queria ter feito coisas interessantes. Queria ter vivido melhor aquele dia. Mas, fui limitado. E o fato dele ter passado bem depressa, me lembrou que a noite eu teria um compromisso. O qual, se eu pudesse, o evitaria por um bom tempo. Quem sabe por um ano ou um milênio. Mas a noite chegava, e logo mais devia ir a mansão dos Borges. Ao possível encontro com Raimundo Borges, ou, em outras palavras, com Bárbara.

150 Detalhes de VocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora