Seria a maior loucura confiar o comando de uma cidade a um homem como Raimundo Borges. Ele era simplesmente o homem que havia mandado matar Luiz Feitosa, o seu adversário a candidatura. Mas, nosso jornal recebia dinheiro dos Borges. Estávamos nas mãos daquela família.

Para meu espanto, recebi um abraço desajeitado pelas minhas costas. Era o Pedro. Ainda não havia chegado ninguém. Estávamos nós dois ali.

- Está louco? - Perguntei.
- Estou com saudade, é diferente.
- Loucura e saudade andam de mãos dadas.

Ele deu de ombros.

- Dane-se. Como foi a viagem?
- Foi como toda viagem é, cansativa, chata, enjoativa.

Eu não falei mais nada. Muito menos perguntei como ele estava ou como ele viveu os dias passados. Não queria perguntar se ele estaria me enganando ou coisa do gênero.

- Você fez falta, Eric. - Ele deu de ombros. - Acho que acabei me acostumando com você aqui.
- Isso é bom ou ruim?
- Péssimo. - Ele riu, e eu fingi que ri.

***

As nove da manhã, senhor Silva me chamou a sua sala. Ele usava terno, e vestia um grande par de olheiras em seus olhos castanhos. Acredito que não devia ter dormido direito. Provavelmente alguma das gêmeas deve ter passado mal ou simplesmente resolveu dar trabalho noturno. É, deve ter sido apenas isso. Mas no fundo eu sabia que sua falta de sorriso tinha apenas um motivo, Raimundo Borges.

Sentei-me na cadeira em frente a sua mesa. Ele começou a me explicar com detalhes o que eu deveria fazer na mansão dos Borges. Instintivamente percebi que não seria tão fácil assim fazer aquilo, mas eu não poderia deixar que os lobos sentissem o cheiro do meu medo.

- Não posso lhe deixar ir sozinho ao covil dos leões. Avise ao Pedro para lhe acompanhar, aliás, precisaremos de fotos. - Ele fez um ar triste e continuou: - Raimundo
irá querer uma notícia de primeira página.

Ao sair da sala do senhor Silva, caminhei até minha mesa, e comecei a juntar alguns materias que poderia precisar. Poderia pegar um colete a prova de bala para me sentir mais seguro ao entrar na mansão.
Avisei ao Pedro, e em cinco minutos estávamos partindo em direção ao leste.

A mansão Borges ficava numa área tranquila e mais nobre da cidade. Ali moravam apenas pessoas da alta sociedade de Serpentina. Era minha primeira vez entrando naquela rua.
Paramos em frente a mansão. Eu respirei fundo, com o intuito de não querer voltar desesperado, mas precisava cumprir minhas responsabilidades, mesmo que fossem desafiadoras a um grande ponto. Pelo menos o Pedro estava comigo ali, não queria ter que enfrentar Raimundo Borges sozinho.

Raimundo Borges devia ter por volta de seus sessenta e sete anos. Era um quase senhor, de cabelos pintados de preto, e com grandes olhos. Usava um bigode grosso super penteado. Ele era baixo, provavelmente um metro e cinquenta. Sempre estava acompanhado ao lado de sua esposa, Rosa Borges. Uma mulher tão arrogante, que construiu um único quarto para caber toda sua arrogância.

Eu e o Pedro estávamos sentados na sala de estar da mansão. Uma infinita sala de estar. Estávamos quase congelados, mas ainda, vivos.
Fui chamado ao escritório de Raimundo, e o Pedro ficou sentado no mesmo lugar.
Comecei a andar pelo corredor, observando as pinturas nas paredes. Parecia uma árvore genealógica. Eram várias pessoas. Algumas estavam sozinhas em quadros. Outras estavam em grupos. E a última era a do Raimundo Borges, um quadro único, com uma lâmpada iluminando-o. Parei para observar o quadro, e tentar entender a finalidade daquele corredor genealógico.

- Rosa não sabia dessa pataquada toda. - Disse uma voz feminina. - Pelo contrário, ela sempre foi contra.
- Desculpa, mas, quem é você?
- Bárbara, Borges. Filha do meio de um casal egocêntrico.
- Me chamo Eric, Montalvão. Jornalista.
- Você não tem jeito de ser como aqueles típicos jornalistas que comem os verdadeiros fatos.
- Desculpe, mas, eu tenho uma entrevista com o seu pai, preciso ir. - Falei.
- Não deveria ter pressa, ele ainda não está aí dentro, ele gosta de fazer os outros esperarem.
- Está bem, irei ficar esperando ele lá dentro.

Me afastei dela.
E continuei caminhando pelo corredor, até chegar diante da porta para o escritório do Raimundo.

- Eu sei o que você quer saber - Disse ela um pouco alto. -, mas ele não ira confessar que mandou matar Luiz Feitosa.
- Não estou a procura dessa resposta. - Falei.
- Mas essa é a dúvida que te deixa com fios de curiosidade.

Bárbara era uma moça de cabelo na altura dos ombros. Eram bem pretos como petróleo. Ela era dona de uma coloração rosada nas bochechas, e era um pouco mais alta que seu pai. Ela era linda, mas pelo que havia aprendido sobre ela em poucas palavras trocadas, é que ele era uma pedra, não uma pedra negativamente falando, mas um pedregulho bruto que esconde um possível diamante por dentro. Mas eu posso está errado também.
Ficaria amplamente feliz por não precisar vê-la novamente, mas uma coisa eu sabia, ela havia acabado de entrar na minha vida.

150 Detalhes de VocêWhere stories live. Discover now