No outro dia, eu e minha mãe fomos a uma loja de bordados – os quais ela sempre foi apaixonada. Eu não conseguia entender a graça de ver bordados. Era a coisa mais sem graça do mundo. Ele ficou quase trinta minutos para poder escolher cores de linhas. O que eu particularmente achava um saco infinito.
Quando saímos da loja, nos deparamos com minha tia. Maria Helena. Uma quase velha caprichada com seus cabelos grisalhos. Ela vivia falando dos seus vizinhos, em todo o momento. No natal. Ano novo. Dia das crianças. Em todo momento. Era como se nada fosse o bastante para ela, o que me deixava com ampla vontade de fugir dela quando a encontrava. Mas nesse dia, não consegui.

– Ana, minha querida irmã, a quanto tempo não lhe vejo. E olhe só – Disse ela olhando para mim. –, como ele cresceu, está um grande homem, logo mais estará se casando e tendo filhos.
– Quem sabe um dia tia.
– Ah, mas bem diferente da filha da minha vizinha, a que resolveu sair de casa para viver um romance proibido. Dizem que ela está se envolvendo com quem não presta, que vai levar ela para a perdição.
– Ah Helena, essa juventude está confusa.
– Imagina se ela descobrisse que essa filha dela tem o distúrbio sexual?
– Tia, não existe distúrbio sexual, já foi constatado pela ciência.
– E desde quando a ciência sabe de algo? - Ela disse com um orgulho do tamanho de sua barriga. – Imagina se Joana descobrisse que a filha dela além de fugir de casa estava se envolvendo com algo horrendo assim?
– Não estamos interessados em saber da louca aventura da filha de sua vizinha. Com incensa, precisamos ir.

Mamãe me censurou ao agir daquela forma com tia Helena, mas que culpa tenho eu? Não posso suportar a ideia de alguém se apedrejado por suas escolhas. A ditadura acabou. Ela poderia escolher fazer o que quisesse, não haveriam militares para lhe prender.

Chegamos em casa, e para minha surpresa, Agnes, minha melhor amiga estava a minha espera.

Agnes eram uma garota de cabelos ondulados e longos, com uma leve tendencia a serem loiros. Mas não muito. Ela estava mais magra do que me lembrava.
Éramos amigos desde a época do colégio. Na verdade, um pouco antes do colégio. E já havíamos passado de tudo juntos. De assaltos, a manifestações.

Lembro-me do nosso último ano escolar. Resolvemos fazer uma festa do rock. Ela resolveu me maquiar para ficar parecido com os integrantes da banda KISS. Usei de sombra a batom. Mas quando chegamos na festa, não havia ninguém fantasiado. Estavam apenas usando roupas de baile. Mas aquilo não estragou nossa noite. Dançamos juntos como dois e velhos bons amigos.

Uma vez me apaixonei por ela, mas era coisa de adolescentes descobrindo o mundo – e eu ainda estava descobrindo naquele momento. Agnes sempre foi o alguém que eu contava meus segredos e medos. Ambições e frustrações. Eu amava demais ela.

Levei ela ao meu quarto. Talvez meu pais pensassem que íamos fazer sexo, mas ela namorava.

– Estava morrendo de saudade de você seu louco. Nem um telefonema você me dá.
– Desculpa, não tenho um telefone a minha disposição sempre.

Rimos.
Ela acendeu um cigarro e começou a fumar.
Agnes era a única que sabia de mim. De não ser como todos. Se ser como eu sou. E, ela me entendia sempre, por isso eu não tinha medo de contar as coisas a ela. Assim como ela contava quase tudo de sua vida a mim.

– Diga-me tudo – Disse ela se aproximando de mim. –, não me esconda nada. Quero saber dos detalhes. Das entrelinhas. Dos capítulos que passamos e nem ligamos nos livros.
– Eu conheci alguém. E, esse alguém é como eu.

Ela levantou apenas uma única sobrancelha, na ideia de tentar ler meu pensamento.

– E esse alguém é totalmente igual a você? Quer dizer, corporalmente?
– Sim, é corporalmente.
– Ele fuma também? E qual o nome? Manoel? Edgar? Thomas? Pedro?

Eu sorri.

– A meu Deus, é Pedro. Ótimo nome. - Disse ela.
– É, ótimo nome. - Respirei fundo. – Mas ele deve está aproveitando muito a cidade. Acho que eu devo ter sentido algo demais.
– Está com medo?
– Sempre estou.
– Eric, se uma vez deu tudo de errado, por que raios iria dar errado de novo? E sua primeira namorada foi uma desqualificada.

Fiquei calado.

– Beijou ele?
– Sim. - eu ri.
– Hum, ótimo. Quando vão se casar? - Falou ela sorrindo para mim
– Ah, pelos céus Agnes.

Rimos.

– Eu só quero que você viva, mesma que isso seja ao lado dele. E pelo seus olhos, Eric, você está conseguindo isso.

O tempo foi passando, e ela dormiu ali mesmo. Ao meu lado, na mesma cama. A última vez que fizemos aquilo, eramos crianças. Tínhamos doze anos, e havíamos acabado de brincar o dia todo. Agnes sempre foi a Agnes. A Agnes Leia que eu conheci. Sempre foi ótimo ficar com ela. Agnes era Agnes. Minha doce e fumante Agnes. Por um longo tempo não pensei no Pedro. E isso foi bom. É, acho que foi bom. Não pensei no que ele poderia está fazendo. Não pensei se ele estaria beijando alguém. Não pensei se ele poderia está beijando um outro alguém. Aliás, não temos nada .

150 Detalhes de VocêWhere stories live. Discover now