SÍLVIA WANESSA

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"...Eu não iria se fosse você
Eu sei do que ela é capaz de fazer
Ela é fatal cara, e ela pode mesmo te despedaçar
A mente acima da matéria
A beleza está ali, mas uma besta no coração
Ooh ela vem aí
Cuidado garoto, ela vai te devorar
Ooh ela vem aí..."

- Maneater -
DRALY HALL & JOHN OATES



Poderíamos começar falando de como Sílvia Wanessa é inteligente e audaciosa. De como seus pensamentos correm na velocidade de um piscar de olhos e na precisão de um ataque de jaguar. De como ela é experiente e que já está por aqui há muito tempo pra saber o que quer da vida...

Mas, hoje não começaremos assim.

Nesta Quinta Feira, 22 de Agosto de um ano que não te interessa, iniciarei exaltando a beleza carnal que ela possui. A garota é um vendaval, uma força da natureza; os olhos são de um brilho especial, num tom quase sobrenatural. Os cabelos são ondulados e enormes, do tipo que provoca pensamentos pecaminosos em humanos descontrolados. A curva dos quadris é de dar inveja a um violão, as pernas bem torneadas e na medida certa sustentam quilos bem distribuídos nos seus 1,55m de altura. O rosto é uma obra de arte, mas apesar disso ela não suporta a linha que seus maxilares dão à face e nem ao menos admira o próprio sorriso por causa dos dentes, pequenos e simétricos. Mas, tudo isso é o que ela acha de errado e não o que homens como David Estrela, julgam fora do lugar.

Para ele, tudo é sempre bonito e perfeito e a beleza feminina é algo maravilhoso.

Estamos no Bar Conchas da Meia Noite, um local bem frequentado. Lá atrás, num palco iluminado por luzes alaranjadas temos um cover do Djavan, mas que canta músicas do Zeca Baleiro e Fagner e usa camisetas do Timbalada. O copo dele está vazio e logo logo ele irá desejar mais uma dose. Em algumas mesas à frente temos alguns casais formados em geral pelas meninas da casa e alguns figurões que resolvem aparecer por aqui.

David Estrela é um deles. Na carteira carrega a foto dos filhos e da esposa morta, além de alguns dólares, euros e notas de cem reais. Hoje ele retornou à procura de diversão, uma das caras.

As meninas que estão livres o vêem chegando e se desesperam. Algumas pegam clientes de graça apenas para não ter que encará-lo e uma delas, Nadine Sarah desmaia no palco. O olho direito ainda está inchado do ultimo encontro com o grande David em seu terno elegante e vício em bancar o dentista na hora do sexo.

É bem aqui que o destino de David e de nossa deusa envernizada em carne humana se cruzam.

Mas ela não é uma das crias do bar.

Está ali apenas procurando diversão também. É uma Loba Solitária. Ué, as mulheres não têm direitos iguais?

A divina está com uma daquelas doses de uísque e red bull numa das mãos e a chave de um carro importado direto da terra dos faraós na outra. O corpo esplêndido está preso num vestido cor de sangue fresco que fazem os seios... Oh céus, eles parecem viver à parte daquele corpo. Exaltados, expostos, quase lançados para o alto como fogos de artifício. É uma beleza, eles são lindos. Acredite e aceite. Ela é perfeita.

Os olhos dos dois se cruzam.

Ela faz sinal e ele se aproxima como um cão sem dono.

Ele puxa a carteira e amostra as notas. Ela tem seu orgulho corroído, mas finge não ter se ofendido. A conversa flui e um convite surge. Um cheiro no pescoço trás alguns arrepios e quando Estrela percebe está sendo convencido a fazer amor no carro. Não no Honda Civic dele, no carro da garota mais quente que ele já fisgou.

O vai e vem ainda nem começou e gotículas de vapor já banham os vidros das janelas. Estrela está atrapalhado; perde tempo com a camisa Pólo. Quando finalmente começar, irá dar uns tapas e uns socos. Talvez arrancar um pedaço da orelha ou a ponta do nariz. Só pra deixar claro quem é que manda. E se der tempo, colocá-la de quatro e a forçar, como ele sempre faz, a dizer que o ama.

Mas, o que David não sabe é que hoje não é um dia feliz como nos contos de fadas. Hoje vim aqui ceifar uma alma. E não foi a de Wanessa que vim buscar.

A deusa o ajuda e com um abaixar de mãos arranca a camisa dele. O homem está com uma ereção perfurante; o pulsar do coração está rápido, a respiração está ofegante, a cabeça lateja e um frio parece invadir-lhe o peito. Depois, a sensação de algo morno e logo após o formigamento. A visão meio turva... Terá sido a bebida?

Estrela está confuso. Uma ardência lhe fere o peitoral. Olha para as mãos e vê aquele vermelho todo entre os dedos. Pensa no vestido da mulher. Teria ele dado uma de maníaco e o rasgado sem perceber? Olha para si mesmo, para o peito e vê que ali há um rio rubro, brilhante como o batom da deusa. Não existe mais o mamilo direito e sim uma colcha de retalhos que desce até o umbigo. Consegue ver o osso de uma das costelas. A carne está exposta e vê-la daquele jeito o desconcerta.

David abre a boca na tentativa de indagar àquela mulher com olhos claros como os de um tigre o que aconteceu, mas não consegue.

Ela avança num beijo alucinado. As línguas se enroscam e de repente, outra pontada de dor se apresenta e estupra a boca do assediador.

A língua de estrela é arrancada quase na raiz. Ele leva uma das mãos à boca enquanto vê a deusa se afastar; os olhos reviram nas órbitas, sangue escorre pelos cantos da boca e empapam o vestido. Ela mastiga com prazer. Usa aqueles minúsculos dentes iguais aos de Piranha... do peixe e não daquele outro tipo. Não me entenda mal, o que temos aqui hoje não é uma mulher qualquer! Ela é a deusa Bastet e há séculos não a vejo devorar alguém.

Voltemos ao Estrela...

No momento ele tenta alcançar a maçaneta da porta. Em vão tenta puxar o pino e destrancar sua prisão, mas ele não pode sair. O nome dele está escrito aqui em meu livro com a data de hoje, para nosso encontro daqui a uns...

Dois minutos...

É tarde para ele. Um final adequado para quem passou a vida espancando mulheres.

Bastet se inclina ainda com pedaços da língua de Estrela escorregando pelo esôfago egípcio. Agora não há mais unhas e sim garras afiadas como a minha foice. Ela lança a pata dianteira e arranca outro naco de carne da barriga de sua presa. Ele urra e se debate. Outro golpe e desta vez é o fêmur que fica exposto. Mais sangue sai e deixa o ar do automóvel com gosto de ferro.

Falta um minuto...

David pensa nos filhos. Mas apenas por um instante, pois o próximo pensamento que vêm é : "Como é possível a morte doer tanto? Ou ser tão cruel?"

Mas, logo ele que arrancou cinco dentes de uma garota num ponto de táxi quer me julgar? Justo ele quem fazia visitas inoportunas à uma das filhas do melhor amigo, à noite? Sendo que numa destas vezes a que ele quebrou um porta-retratos na testa dela para ensinar a lição preferida dele para toda menininha levada: "Homens mandam e mulheres obedecem!".

Hipócrita!

Faltam 30 segundos...

Bastet agora avança e as presas vão direto à jugular do excelentíssimo Sr. Cadáver David Estrela.

O sangue borbulha.

Escorrega pelo pescoço esfarrapado e cai sobre o carpete do carro enquanto Bastet começa a sugar sangue, carne, suor, gordura e tudo o que aquela jovem presa puder lhe servir.

Depois dele ainda verei mais sete sucumbirem à sua beleza ainda hoje, antes que ela volte a adormecer em seu sarcófago imundo, lá nas passagens da Praia Grande, bem no Centro de São Luís.

Enquanto a mim, continuarei a apenas observar e ceifar. Como faço a milênios sem fim... Exatamente o que estou a fazer agora. Bem aqui, atrás de você.

TOTAL DE PALAVRAS: 1384

TABELA: VERÃO

PALAVRA/TEMA: PORTA-RETRATOS

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