39 • O problema de Gabriela

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Alguns alunos da arquibancada nos ajudaram a carregar Gabriela em direção à enfermaria, entretanto, no meio do caminho demos de encontro com uma maca móvel trazida por uma enfermeira com cabelo rosa; a partir dali Gabi foi deitada, ainda inconsciente para a enfermaria.

Tudo se passou tão rápido que nem cheguei notar os corredores que virávamos, paredes que passávamos; Amalie e eu nos demos conta de onde estávamos quando finalmente nos vimos em pé ao lado de Gabriela sobre o leito, esperando-a acordar.

A maca onde estávamos ficava num cubículo, cujas paredes eram na verdade cortinas verde claro, como em hospitais mesmo; lá haviam vários leitos e cortinas como estas separando-os um do outro.

Amalie e eu não tirávamos o olho da nossa amiga, que enquanto deitada com os olhos fechados, mostrava sinais de falta de nutrição em seu corpo. Abaixo de suas órbitas, Gabriela mantinha uma olheira enorme; seus lábios grossos nunca estiveram tão ressecados; nas unhas por debaixo do esmalte descascado, manchas brancas eram nítidas. Gabriela sempre teve um volume consideravelmente de bochechas, mas agora estas pareciam ter murchado, assim como Gabi como um todo nos últimos tempos.

Deslizei meus dedos sobre seu rosto e inconscientemente recebi lembranças de seu corpo antigamente; ela havia crescido, sim, mas sua perda radical de peso não era saudável, e todos viam isso, mas ninguém comentava.

Eu deveria ter percebido desde o começo. Tudo começou de modo imperceptível, com apenas verduras e carnes no prato, depois apenas verduras, que por sua vez foram diminuindo a quantidade até serem substituídas por suco, que no fim terminou com água. As desculpas... "não estou com fome", "as provas têm me estressado", "os trabalhos estão me matando", "esqueci o lanche em casa". Eu deveria ter notado, nós deveríamos ter notado, e agora Gabriela estava diante de nossos olhos, fraca, magra, diferente e sem cor. Tudo começou tão sutilmente.

Depois que ela subiu na maca, todos voltaram para o ginásio para que continuassem com as audições... ninguém ligou para Gabriela, pois ela parecia só mais uma, ou menos uma no caso, porque provavelmente ela iria reprovar no teste. Gabriela era só um número.

Amalie e eu já tínhamos perdido a esperança de estarmos ainda presentes quando ela acordasse; estávamos quase saindo quando notamos uma respiração mais profunda, depois dedos se mexendo e por fim olhos se abrindo.

— Gabriela — eu disse com a voz falha; em seguida segurando sua mão e a mantendo perto de seu quadril. Amalie pôs sua palma em cima da minha.

— Ela acordou? — perguntou a enfermeira com cabelos rosa surgindo de repente. — Com licença, podem por favor sair daqui? Tenho de realizar alguns procedimentos padrão. Já já chamo vocês, prometo. — Sorriu.

Nós dois saímos de dentro do cubículo envolvido pelas cortinas verde e sentamos em algumas poltronas ainda na mesma sala enorme, mas no canto, onde dava pra ver todos os cubículos um ao lado do outro; de longe a mesa onde a enfermeira chefe sentava diante um computador e logo atrás duas portas indicando serem do banheiro masculino e feminino. A enfermeira diante o computador que aparentava estar em seus sessenta anos, olhava muito para nós.

— Tem mais gente aqui? — perguntei para A quando notei que a cortina do cubículo de Gabi estava fechada, assim como as de alguns outros, entretanto, haviam outros abertos também.

— Provavelmente os que estão fechados devem ter gente.

— Nossa, eu sempre achei que aqui sempre fosse vazio. — Dei uma pausa, respirei fundo e tentei encontrar o momento certo para que eu continuasse o diálogo. — Acha que a Gabriela vai ficar bem?

— Eu espero que sim... ela estava tão animada com a ideia de ser uma cheerleader; estava mesmo. — Ela olhava fixamente para o nada, mas depois de um tempo ela olhou para mim com os olhos lacrimejados. — Ela estava sempre pedia para que eu filmasse seus movimentos, então ela poderia assisti-los e aperfeiçoar os ângulos, os saltos seguidos pelos pousos. Ela queria ser perfeita.

O melhor ano do nosso colegial (Wattpad Edition)Where stories live. Discover now