22 • O vizinho

2.1K 223 87
                                    

Durante todo o resto do percurso — em que eu ouvia música pelos fones de ouvido — via-se estrada e mais nada através do vidro do fusca. Se não fosse pela maravilhosa orquestra sinfônica em meus ouvidos, eu não teria suportado nem mais um minuto vendo nada mais além do asfalto à minha frente.

O tempo foi passando e o silêncio entre Joana e eu já não incomodava mais. 

Eu lembrava muito bem que na casa de vovó não tinha rede wifi, e mamãe não assinara um plano de internet para o meu celular, portanto, eu já estava preparado para me entreter com coisas que não fossem redes sociais ou algo do tipo.

Antes de tudo, peço desculpas a você caro(a) leitor(a). Sinto culpa por não ter mencionado antes no começo desta história que mamãe e eu viemos do interior para morar na cidade grande, afinal, como dito no começo, há muitas coisas que não julgo necessárias mencionar, e este pequeno fato da minha vida foi uma delas.

Não sei se agora você está se perguntando se eu possuo algum sotaque, mas se não está, provavelmente pensou agora, e se não, vou comentar do mesmo jeito sobre o assunto. Moro num estado do Brasil onde simplesmente não há diferença no sotaque entre interior e cidade grande, portanto, acho que já deva ter ficado clara a resposta.

Quando Joana e eu fomos para a cidade grande e me matriculei na Jorge Dallas, eu deixei de lado vários aspectos da minha personalidade. Não foi intencional, mas algo automático... como por exemplo: quando fomos para a cidade grande nunca mais escrevi sobre meu dia num diário, reguei uma planta num jardim ou até mesmo saí para me aventurar no meio da mata junto de Harry... meu ex-amigo imaginário.

Que eu nunca tive amigos não era novidade para ninguém, então sim, mesmo com quatorze anos eu ainda conversava com o nada sempre que possível. Quando eu comia sozinho nos intervalos da escola, Harry estava comigo. Quando eu não tinha par para os projetos de ciências, lá estava Harry comigo. E quando eu chorava nos banheiros da escola depois de levar alguns socos no estômago? Adivinha, lá estava Harry comigo... pelo menos até eu entrar na Jorge Dallas e ter amigos reais em carne e osso, como Gabi e Vini. Depois de muito tempo, dentro daquele fusca vermelho escuro, finalmente lembrei de Harry.

Por fim, Joana e eu começamos a ver construções que de longe tornaram-se próximas, e que de pequenas fizeram-se maiores. Quando nos demos conta, já estávamos na área comercial da Cidade dos Caules Lenhosos — nossa antiga terra.

Comecei a encarar por um tempo o rosto de mamãe, que parecia mais feliz que nunca em rever o lugar onde crescera. Pude felizmente compartilhar da mesma emoção, pois, rever tudo aquilo novamente me bateu uma sensação gostosa de nostalgia, como se os seis meses que passamos fora tivessem sido dezenas de décadas.

— Olha mãe — eu comentei apontando o dedo para uma igreja cujos vitrais roubavam a cena de todas as construções aos arredores —, a igreja que a gente ia antigamente.

— Sua avó engravidou de mim lá dentro, sabia? — Joana comentou e eu a olhei com os olhos espantados. — brincando, moleque! — ela concluiu rindo.

A rua constituída por blocos de pedra formava um círculo que no meio uma enorme fonte jorrava água por todos os lados. Nós que estávamos no fusca — assim como os motoristas de outros carros — dirigíamos em círculos a fim de cada um entrar na rua em que desejava.

Não demorou muito para que eu reconhecesse a casa amarela de arquitetura portuguesa da vovó, no centro de um dos bairros nobres da cidade. A rua da casa de Dona Amélia — a vovó — era coberta por folhas caídas das árvores crescidas dos dois lados da rua, formando assim uma linda alameda, digna de um perfeito filme romântico. Era época de inverno, mas mesmo assim haviam muitas folhas nas árvores por toda a extensa rua, claro que com um tom de verde não tão vivo quanto na primavera.

O melhor ano do nosso colegial (Wattpad Edition)Where stories live. Discover now