Capítulo 6

4 3 0
                                    

Levantei da cama e percebi que o sol ainda nem havia nascido, mas já estava começando a clarear. Resolvi descer e tomar um copo de água. Tentei não fazer barulho para que ninguém acordasse, estava na escada quando me deparei com Anna, ela usava um short folgado e uma blusa fina, ela se cobria com um pano envolta de si e em suas mãos havia uma xícara.
-- Que susto! – Ela cochichou indo em direção ao sofá. – O que você faz acordado uma hora dessas? – Ela levou a xícara a boca.
-- Sei lá, eu acordei. – Me sentei ao seu lado, afundando no sofá. – E você, o que faz acordada a essa hora?
-- As vezes eu acordo, tomo um chá e depois vou me deitar, mas eu não durmo mais. – Ela levou mais uma vez a xícara a boca. – Quer chá? – Respondi que não e ficamos um tempo em silêncio.
-- Por que você foi grossa com a gente? – Ela me olhou e tomou mais um pouco do chá.
-- É o meu jeito, não sei porque eu sou assim. – Ela disse, olhando para o nada. – Apenas sou. E eu não gosto muito das pessoas desse lugar, alguns já nos caçaram e tentaram nos matar, mas nós conseguimos fugir e nos escondemos aqui.
-- Nossa, eu não sabia. – Eu nem sabia o que falar ao certo. – Mas Sarah não é assim, ela me ajudou e eu não duvido que ela ajudaria vocês.
-- Tanto faz. – Ela virou a xícara e tomou o resto de uma só vez. – Quer treinar?
-- Treinar?
-- Sim, tem um lugar que eu gosto de ficar, raramente vão lá. – Eu concordei e ela foi deixar a xícara na cozinha, voltando também sem o pano. – Vamos? – Eu a acompanhei e fomos para fora da casa, ela foi na frente e eu mais atrás, entramos na floresta, passamos entre umas árvores até chegar em uma área sem árvores, com alguns troncos cortados no chão e umas espumas espalhadas, também haviam alguns alvos.
-- Que lugar é esse? Você que fez? – Era bem isolado, qualquer coisa que Anna fizesse aqui, ninguém escutaria.
-- Eu que fiz, uso para treinar alguns golpes e melhorar meus dons.
-- Você vai me ensinar a usar os meus? – Ela deu um sorrisinho e me mandou ir para o lado oposto que ela foi. – O que está fazendo?
-- Sabe lutar? Se defender? – Ela ergueu uma sobrancelha.
-- Não. Nunca me ensinaram essas coisas. – Ela disse que íamos aprender o básico e eu vi os mesmos raios percorrerem os seus braços. – Anna, você se lembra do que aconteceu da última vez que fez isso? – Ela não ligou para o que eu disse e lançou um raio na minha direção, fechei os olhos preparado para o impacto mas não senti nada, quando abri os olhos vi o raio tentando me atingir, mas havia uma barreira o impedindo, até que ele voltou contra Anna, mas dessa vez ela desviou e o raio atingiu uma árvore, que ficou queimada. Anna foi até a pequena árvore queimada e a tocou, fazendo-a renascer. Anna também me ensinou alguns golpes e defesas, mas eu era muito ruim nisso.
-- Se você me tocar agora, o que acontece? – Ela perguntou com um ar cansado.
-- Eu não sei. – Ela ergueu o braço e eu o prendi com minha mão, mas não aconteceu nada. – Eu não sei controlar isso. -- Até que tudo ficou claro e eu vi o mesmo cenário de antes, Clarice conversava com uma mulher e Anna estava ao seu lado, um pouco mais velha do que na antiga visão.
-- Então ela pode ser a Salvadora? – Clarice perguntou, preocupada.
-- É provável que sim, a profecia que nos foi dada ainda não disse nada sobre o Salvador, pode ser um homem ou uma mulher. Mas suspeitamos que seja ela. – A mulher disse e deu um sorriso, percebi uma certa esperança em seu olhar. Até que tudo ficou claro e eu voltei a ver Anna, que me olhava com os olhos arregalados.
-- Eu vi tudo. – Ela tirou minhas mãos dela. – Temos que controlar isso, caso esse negócio aconteça durante uma luta, você está morto.
-- Quem era aquela mulher? – Perguntei, indo para o outro lado.
-- Era a líder da Família. – Perguntei se ela havia ficado em Candólia. – Ela foi morta, David. Os outros tentam liderar tudo, mas é muito difícil. – Anna cambaleou para o lado, mas disse que estava bem. Percebi que o sol já havia nascido, mas muitos ainda estavam dormindo. – Vamos continuar? – Ela concentrou os raios nas mãos e lançou contra mim, fiz o que ela ordenou e coloquei minhas mãos na frente do raio, como se eu fosse pega-lo e funcionou, o raio ficou dançando em minhas mãos, até eu lançá-lo de volta contra Anna, que desviou e cambaleou novamente.
-- Tem certeza que não está sentindo nada? – Me preocupei e me aproximei.
-- Só um pouco de tontura. – O corpo dela ficou fraco e quase ela caía no chão, mas eu consegui segura-la em meus braços e nós dois fomos para o chão. Anna estava em cima de mim, me encarando. Senti sua respiração no meu rosto, senti seu cheiro e percebi que ela estava se aproximando, minhas mãos estavam em sua cintura e nossas bocas estavam próximas. Eu queria muito aquilo.
-- Anna! – Uma voz ecoou de longe, vindo da direção de onde ficam as casas e nos tirando daquele momento, Anna se levantou mas ainda estava fraca – David! – A pessoa continuava gritando por nós. Carreguei Anna nos braços e comecei a andar de volta para casa. – Anna! – Era a voz de Antônio. Em seguida escutei a voz de Clarice. Quando eles me viram correram até mim para saber o que aconteceu.
-- Ela só está fraca, nós estávamos treinado. – Antônio pegou sua filha nos braços e entrou para dentro de casa, logo depois Clarice. Vi que Sarah estava me esperando, coberta por um pano, pois ainda estava fazendo um pouco de frio. – Tudo bem?
-- Sim, estava preocupada, vocês somem do nada. – Eu ri e passei o braço em volta do seu ombro. – Não vou te deixar. – Dessa vez ela que riu, um sorriso meigo. Tirei meu braço e passamos pela porta. – Já tomou café? – Ela perguntou.
-- Na verdade não, eu ia tomar, mas fui treinar e acabei esquecendo. – Ela disse que ia preparar e eu a avisei que só ia tomar um banho. Cheguei no banheiro tirei as roupas e o colar que minha mãe me deu, deixei ele na pia. Fiquei debaixo do chuveiro e senti a água fria cair na minha pele, lavei meu cabelo e fiquei um bom tempo ali, até que desliguei, me enrolei na toalha e saí, entrei no quarto e peguei roupas limpas, me vesti e desci para tomar café. Eu e Sarah ficamos sentados olhando um para o outro, enquanto tomávamos o café com algumas torradas. – Eu vou ver como Anna está. – Ela concordou e pegou minha xícara, dizendo que ia lavar.
Subi a escada e fui em direção ao quarto de Anna, que estava deitada em sua cama. Seus cabelos estavam um pouco molhados, ela também já havia tomado banho.
-- Você está bem? – Me sentei ao seu lado na cama, que era bem macia. Ela riu.
-- Estou, foi só uma fraqueza e a culpa é sua. Viu? Você ia me matar. – Ela riu, era a primeira vez que eu via ela assim. Ela ficava muito bonita sorrindo.
-- Minha culpa? – Me fiz de coitado. – Eu não fiz nada, sou inocente. – Conversamos por um tempo até ficarmos sem assunto. – Anna, posso te fazer uma pergunta?
-- Você perguntar se pode fazer uma pergunta já é uma pergunta.
-- Por favor, não atrapalha meus pensamentos. – Ela riu e disse que eu podia fazer a pergunta – É... Mais cedo, você... Você ia deixar eu te beijar? – Eu tinha que fazer essa pergunta.
-- Por que você não descobre? – Ela cochichou, se aproximando de mim. Eu fiz o mesmo e mais uma vez nós estávamos muito próximos, eu sentia sua respiração, mais uma vez eu sentia seu cheiro. Me aproximei mais e nossos lábios se tocaram, comecei a beija-la e ela retribuiu, aquele beijo foi incrível, sensacional. Coloquei a mão em seu pescoço e ela se ajeitou, mas não parou de me beijar. Até que escutei um pequeno barulho vindo da porta. Era Sarah.
Paramos de nos beijar e eu me afastei de Anna. Sarah estava nos encarando, ela segurava uma bandeja com uma xícara e torradas. Eu estava sem reação. Ela entrou em passos pesados e colocou a bandeja no criado-mudo, sem olhar para nós, ela se virou de costas e saiu.
-- Sarah, espere! – Corri atrás dela e segurei seu braço, fazendo ela virar e me olhar. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. – Me desculpa.
-- David, por que você me trouxe para esse lugar? – As lágrimas caíram.
-- Como assim? – Eu não estava aguentando ver ela chorar. – Sarah...
-- David eu vou embora. – Ela se virou e foi até o nosso quarto, trancando a porta e me deixando do lado de fora. – Quer saber, eu sou uma idiota!
-- Sarah, abre essa porta! Por favor!
-- Como eu fui burra de aceitar vir com você! – Ela gritava, mas sua voz saia embargada. – Não vou mais ser um peso para você David, fica com ela! Eu vou embora! – Ela abriu a porta e saiu, apenas com as roupas do corpo. – Você é um babaca!
-- Não fala assim. – Eu odiava ser chamado de babaca.
-- Não sei porque eu saí do hotel, eu tinha tudo lá! – Clarice surgiu para ver o que estava acontecendo.
-- Quer saber Sarah, vai! – Gritei e ela fez uma expressão de surpresa. – Eu apenas pedi a sua ajuda para sair daquele lugar, eu nunca te chamei para vir comigo! – Ela veio até mim e me deu um tapa, minha bochecha ardeu e com certeza ficou a marca de sua mão em meu rosto. Ela se virou, desceu a escada e saiu da casa, batendo a porta, eu me encostei na parede, me sentando e ficando encolhido. Eu decepcionei a única pessoa que mais confiava em mim, como eu ia consegui fazer isso com uma população inteira?

EscuridãoWhere stories live. Discover now