Capítulo 1

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-- Mãe! – Meu irmão gritava, ele estava muito zangado. – David escondeu minhas coisas! – Ele corria até mim, pronto para me bater e eu apenas ria. – Manda ele devolver! – Corri até a cozinha, onde nossa mãe estava preparando o jantar.
-- Filho, devolve as coisas do seu irmão. – Ela ria em silêncio, enquanto escutava os gritos de Caio. – Não o provoque. – Ela dizia com aqueles olhos escuros parados em mim, ela estava usando um avental preto, enquanto cortava alguns legumes. Seu cabelo loiro caiu na frente do seu rosto e ela o colocou atrás da orelha. Caio conseguiu ter o cabelo igual o da nossa mãe, já eu, tive os olhos. Ela sempre fala que eu sou parecido com o meu pai, mas eu não quero ser parecido com um homem que abandona a própria família.
-- É para que ele aprenda a não mexer mais nas minhas coisas, já que ele não gosta que mexam nas dele. – Eu ri e fui até a geladeira, peguei uma jarra de suco e um copo de vidro, enchi o copo e bebi, guardando a jarra novamente.
-- Mãe, a senhora não vai falar nada? – Caio apareceu, com uma expressão irritada.
-- Devolve David. – Nossa mãe me olhou séria.
-- Ta bom. – Sai da cozinha e fui até o meu quarto, abri a porta e fui até a cama, me abaixei e peguei a jaqueta, o fone, o celular e a carteira do meu irmão e o devolvi. – Isso é para você aprender a não mexer mais nas minhas coisas. – Eu ri e ele me encarou.
-- Idiota.
-- Nós dois. – Ele riu e eu baguncei o seu cabelo, ele pegou as coisas e foi para o seu quarto. Eu e meu irmão sempre nos demos bem, mesmo sendo de pais diferentes. Quando o pai dele não estava eu era meio o responsável por eles, pois sou o mais velho, fiz dezenove no começo do ano e agora que Caio tem dezesseis. Bateram na porta.
Fui abrir e minha mãe apareceu no portal da cozinha, passei pelo tapete e abri a trava da porta, era o meu padrasto, pai de Caio. Ele vestia seu jaleco branco e um sapato social preto, também usava óculos. Saí da frente e ele entrou. Nossa convivência não era muito boa.
-- Olá querido, boa noite. – Minha mãe foi até ele e o ajudou a tirar o jaleco, depois ela lhe deu um selinho. – Como foi o dia? – Carlos era um ótimo médico, eu já o vi trabalhando antes.
-- Cansativo e o seu? – Ele perguntou, olhando para mim e depois para minha mãe, eu já estava jogado no sofá. – Os meninos se comportaram dessa vez?
-- O dia foi bom, já o comportamento dos meninos... – Ela me olhou. – Continua o mesmo, David continua atormentando o seu irmão. – Carlos me olhou e bufou.
-- Esse garoto precisa aprender a se comportar. – Ele disse, como se eu não estivesse ali bem na sua frente. – Tem que aprender a respeitar o irmão.
-- Você vai mesmo falar de mim na minha frente? – Me ajeitei no sofá.
-- Sim. – Ele me encarou. – Porque você é um moleque irresponsável.
-- Você não sabe o que eu faço aqui dentro dessa casa. – Eu já estava de pé e quase gritando. – Não tem o direito de falar assim comigo.
-- Tenho sim, você já tem dezenove anos rapaz, está na hora de crescer. – Ele disse, tirando os óculos.
-- Chega. – Minha mãe se manifestou. – Sem confusão. -- Eu sempre obedecia minha mãe, ninguém queria ver ela zangada. Me calei e fui para o meu quarto, eu estava furioso. Me joguei na cama e fiquei um bom tempo deitado, até o meu irmão aparecer.
-- A comida está pronta. – Ele entrou. – Não vai querer comer?
-- Estou sem fome. – Disse, ele sentou na cama e riu. – O que foi?
-- Você está mentindo. – Ele ria. – Eu sei porque você pressiona seu maxilar quando mente. Vamos comer?
-- Já estou indo. – Ele não ia desistir.
-- E tenta não arrumar confusão com ele. – Caio disse e eu sabia que ele estava falando de seu pai. – Tenta ficar calado. A mãe não gosta quando vocês brigam.
-- Vou tentar. – Ele saiu e eu fiquei no quarto, tentando aprender a me controlar e caso Carlos fale algo, espero ficar calado.
Saí do quarto e fui para a cozinha, todos estavam reunidos na mesa, já com seus pratos. Me sentei e peguei meu prato, coloquei minha comida e o jantar inteiro foi em silêncio. Um silêncio incômodo. Quando terminamos, eu decidi pegar os pratos e lava-los. Minha família foi para a sala e minha mãe ligou a TV, todos se sentaram, eram poucos pratos então terminei rapidamente, enxuguei minhas mãos e fui para a sala. Me sentei ao lado de Caio.
-- Bom, David, eu estava pensando que seria bom se nós mantivermos a paz nessa casa. – Carlos disse e eu comecei a prestar atenção. – Eu sempre te critiquei e nunca enxerguei pelo seu lado. Eu peço desculpas.
-- Eu que peço desculpas, sempre briguei com você por motivos inúteis. – Estendi a mão para Carlos e ele a apertou, vi a felicidade no olhar da minha mãe.
-- Eu amo tanto vocês, meus meninos. – Ela disse, emocionada, então ela se levantou e deu um abraço e um beijo em seu marido, logo em seguida um abraço em Caio e depois ela me abraçou, um abraço apertado. Quando ela foi voltar para o seu lugar, algo estranho aconteceu. Seus olhos ficaram totalmente brancos, emanando um brilho fraco. A TV começou a fazer vários barulhos e nós nos preocupamos.
-- Mãe! – Fui até ela, que estava jogada no sofá. – Mãe, você está bem? – Peguei no seu braço e me arrepiei, não sei o que aconteceu, tudo ficou claro. Quando minha visão se adaptou, eu vi que não estava mais na minha casa, estava em uma praça.
-- Diana, não saia de perto de mim, você pode se perder! – Uma mulher gritou e uma criança feliz saiu correndo. Espera, aquela criança era a minha mãe? – Minha filha, o que eu acabei de falar?
O que estava acontecendo? Como eu sai de casa? Onde eu estou? A mulher saiu atrás da criança e passou por mim, mas ela não me viu. A garotinha parou e seus olhos se iluminaram, igual o que havia acontecido com minha mãe, depois seus olhos voltaram ao normal e ela gritou por sua mãe, um grito de desespero. A mulher riu e a chamou, quando um carro descontrolado subiu as calçadas da praça, ninguém pôde fazer nada, pois não deu tempo. O carro atingiu a mulher em cheio e a menina gritou ainda mais, já chorando. Um homem a segurou para que ela não fosse até a cena do acidente. Todos se aglomeravam em volta e eu estava assustado mas logo tudo ficou claro e eu estava de volta à minha casa.
-- O que foi isso? – Caio perguntou, assustado. Minha mãe ainda estava em transe. – Mãe! – Ela voltou ao normal.
-- Vamos sair desta casa, agora! – Eu não estava entendendo nada, não sei o que aconteceu comigo uns segundos atrás. – Precisamos sair ou vamos morrer.
-- Do que você está falando? – Carlos estava confuso e minha mãe tirou um colar de seu pescoço, o colar que ela tanto adorava e o protegia. Ela pegou minha mão e colocou o colar nela.
-- Quando você quiser respostas, abra-o. – Eu estava começando a me preocupar. – Vamos! – Ela começou a nos puxar para a porta dos fundos. De repente a porta principal foi destruída, mas não teve nenhum barulho, como isso é possível? Minha mãe me empurrou com força, mas consegui ver um homem com uma arma enorme nas mãos, ele também usava uma máscara. Demos a volta na casa, mas a janela foi quebrada e uma bala passou, atingindo o peito de Carlos, que caiu no chão.
-- Pai! – Caio ia até ele, mas nossa mãe o segurou. Vimos Carlos dar um último suspiro, todos ficamos tristes, mas tínhamos que correr.
-- Caio, sempre obedeça o seu irmão, vocês vão precisar um do outro. – Enquanto ela dava instruções, nós começamos a correr, saindo de perto da casa. – Esse colar terá algumas explicações. – Minha mãe falava rápido demais, estávamos prestando atenção em suas palavras e não vimos um braço enorme nos derrubar no chão. Fui erguido pelo pescoço, meu irmão pelo cabelo e minha mãe continuou no chão.
-- É esse aqui? – A voz grave do homem me fez tremer. – Ou é o outro?
-- Ele disse que era o mais velho. – O outro cara respondeu. – Então é esse aí, vamos leva-lo. – O homem que me segurava fez uma cara de dor, olhamos para o lado e minha mãe havia cravado uma faca nele, antes dele cair no chão ele conseguiu dar um soco em minha mãe, fazendo-a cair longe.
Consegui me soltar e fui até ela, que estava tonta. Perguntei o que eles queriam de nós e ninguém respondeu.
-- Faça o que fizer, não toque nele. Encontre-a e ela vai ajudá-lo.
-- Quem eu não posso tocar? Quem eu devo encontrar?
-- Ei garoto! – Uma faca voou em minha direção e eu fiquei sem reação, só vi o corpo da minha mãe se colocar na minha frente, vi a ponta da faca atravessada em sua barriga.
-- Mãe! – Eu e Caio gritamos, o corpo dela caiu em cima de mim, já sem vida. Me enchi de fúria e corri até o homem que segurava o meu irmão, quando eu fui lhe acertando um soco ele simplesmente desapareceu, ele sumiu junto com o meu irmão. O outro homem também havia sumido. Restou apenas eu e os corpos da minha mãe e de Carlos, comecei a chorar, eu estava desesperado.
Peguei o corpo da minha mãe e voltei para nossa casa, o coloquei para dentro, depois peguei o de Carlos e coloquei ao lado dela. Eu não tinha como explicar isso para a polícia. Eu ia me complicar. Peguei o dinheiro que minha mãe guardava para caso de emergência, meus documentos e coloquei o colar no meu pescoço.
-- Eu amo tanto vocês. – Disse, com lágrimas nos olhos. – Eu vou encontrar o Caio, mas se eu ficar aqui não vai ter como eu fazer isso. – Saí, peguei a bicicleta do meu irmão e comecei a pedalar sem rumo, a noite estava só começando e quando amanhecesse, eu queria estar longe dali.
Pedalei demais, meus pés estavam inchados e minhas pernas doloridas, eu estava com um corte no resto, perto do olho direito, também estava com muito frio. Consegui chegar em uma pequena cidade cujo o nome eu não sabia. Não parei, até encontrar um hotel, eu tinha que parar mesmo sendo caro, era minha única opção.

EscuridãoWhere stories live. Discover now