Nove

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Termino antes do começo
16 de Junho de 2019

Tinha algo naquele lugar que fazia Maria se sentir em casa, o que nunca tinha acontecido antes. Era com se os cômodos e seus moradores a abraçasse, mesmo alguns deles não sendo tão próximos dela. A princípio, pensou que poderia ser o modo em que tudo foi planejado para parecer aconchegante, o amontoado de plantas na varanda, os quadros bonitos na parede ou até o sofá extravagante da sala. Ainda assim, o que verdadeiramente importava era como aquele lugar era diferente de todos que já esteve. Marcado por ser onde fez seu recomeço e mesmo se voltasse as suas amarras tudo ali ficaria gravado em sua mente pelo resto dos seus dias.

Ela sabia que sua estadia ali era limitada, mas deseja um lugar exatamente como aquele, que tirava parte do peso do passado assim que encontrava as plantas, nas idas escondidas na varanda quando Benicio estava bêbado e se colocava em seu quarto. Eles não conversaram nos dias que se seguiram desde a viagem, quando o mesmo se trancou no quarto pelos três dias que se seguiram depois de ter pego ela falando com Nathan. Mesmo não dizendo em voz alta, estava constrangida pela repulsa notável que sentiu pelo rapaz naquela noite, não tinha sido discreta, e mesmo sabendo que ele era bom não mediu suas atitudes.

Ele sumiu por quase uma semana, fazendo a menina se pergunta se tinha tido relação com o acontecido. Poderia ter o assuntado, como o mesmo fez no dia em que estavam no restaurante, desmanchou as amarras da garota em questões de segundos, apenas observando o modo em que agia, sua timidez e seus olhares para tudo ao seu redor. Era meio previsível pensar que logo alguém iria lhe fazer perguntas que não conseguiria responder, e então a verdade viria a toma, no ônibus pensou isso, milhares de vezes. Entretanto, como sempre, seu pensamento ia além, pensou que apenas tocando o solo da capital alguém iria suspeitar da sua forma e falar algo. Até que durou muito tempo, foi tudo menos dramático do que imaginou que seria, e, mesmo não podendo admitir aquilo em voz alta, falar para o rapaz a fez se sentir menos intrusa, agora ele sabia, as cartas estavam na mesa, era aquele passado que ela tinha.

Ben, mesmo não recebendo isso com tanta surpresa parecia ter ficado levemente estasiado, como se tivesse ganhado um soco no estômago, suas teorias estavam certas, mas aquilo não lhe dava conforto, só deixava tudo ainda mais difícil. Daquele momento em diante Maria começou a notar um certo cuidado em seu olhar, como cúmplices de um segredo doloroso, deixava sempre uma cadeira ao seu lado na varanda, para ela se sentar quando chegasse, mostrou seus livros de poesia e em uma noite quente e calma até recitou uma de Camões para ela enquanto bebiam suco de uva. A moça era uma companhia agradável e silenciosa, que gostava de observar o céu e falava apenas quando era muito necessário, como Benício estava presa em sua própria bolha de pensamentos. Eles poderiam passar os dias assim, em mais um pequeno evento depois de um trabalho cansativo, apenas vendo a vida passar gradativamente, pisando em ovos para não causar mais nenhuma ferida. Era esse o pensamento de ambos, da mulher principalmente até aquela noite, quando as feridas falaram alto.

Contudo, no fim daquela semana, com mais de seis dias sem o ver, quando entrou pela porta do apartamento indo em direção ao quarto algo a fez parar, logo ali na sala, meia dúzia de caixas estavam por todos os cantos, os livros foram tirados dos cantos, a porta do quarto do rapaz estava abeeta e Ben estava na cadeira, sentado em silêncio enquanto a chuva desaguava tudo lá fora, sua camisa estava seca, o que sinalizava que não havia chegado a pouco tempo, como de costume, sua cabeça estava levemente inclinada e, mesmo que não pudesse ver, tinha certeza que seus olhos estavam distantes. O grande coração dela bateu dolorosamente mais forte, ficando um pouco mais nervosa depois de o ver, completamente envergonha pensou em sair dali de fininho, indo pela lateral até chegar ao seu quarto, tirando os sapatos ali mesmo para evitar fazer barulho, tudo por não saber como encarar seus olhos negros e vazios. Entretanto, quando ainda estava tentando pensar em algo, a cabeça do rapaz virou levemente, olhando rapidamente para Maria, mas não tempo o suficiente para demostrar qualquer sentimento, tão envergonhado quanto ela.

Juntando os pedaços | √Where stories live. Discover now