Seis

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Perdida no vazio
27 de maio de 2019

Não estava em seus planos a deixar em uma caixa qualquer da dispensa cheia de lembranças, nem que não seria o destino dele nos fins de dia. Ben esperava que o refúgio que os seus braços lhe dava fosse eterno, que a voz de sua esposa faria seu caos sumir aos poucos. Gostava de mostrar como o seu relacionamento era estável e duradouro para todos ao seu redor, muito por querer gritar ao mundo como a história não era igual as do seu álbum enumerado de decepções, e como todas as suas paranoias estavam erradas. Tinha conhecido uma menina inteligente, alegre e simpática, se casado antes dos trinta e construindo gradativamente uma família.

Um filho já era algo planejado, muitas e muitas vezes, pelo casal. Assim que Manuela concluísse sua faculdade, em menos de seis meses. Tinha comprado uma casa com três quartos pensando exatamente sobre isso, duas crianças ou mais, poderia ampliar assim que a família ficasse maior. Daria o nome dos seus pais, ele ficaria menos tempo no trabalho para fornecer tudo que ela precisasse, eles estudariam na mesma escola em que os dois se conheceram. Aquele era o seu sonho, que estava se tornando quase palpável, só precisava esperar mais um pouco, alguns meses separava sua vida perfeita e o caos. 

Depois do que aconteceu Ben não pensava mais em ter filhos, muito pelo contrário, aquela ideia começou o atormentar, não entendia mais por quais motivos queria isso, ele não seria estável o suficiente para cuidar da vida de alguém, nem tinha domínio sobre a sua. Tinha se tornado um velho ranzinza e melancólico, com problemas com bebidas e álcool, o extremo oposto do que uma criança precisava. Ele tinha sua gata e era sua rota de fuga, era para ela que corria quando as crises começavam, e por muito tempo aquilo foi o suficiente. No entanto, mesmo assim, tinha o seu instinto de cuidar de alguém, e quando aquelas duas garotas chegaram em sua vida ascendeu essa chama, elas estavam desprotegidas, e mesmo não sendo do tipo que acha que mulheres devem ser salvas, ofereceu sua ajuda, em uma batalha silenciosa para deixar esse assunto para lá, existia ali uma preocupação, ele também tinha chegado como elas, e se Marcos não oferecesse um lugar para ficar seu futuro provavelmente seria diferente.

Não podia negar que tinha ficado mais curioso com Maria, ela era um livro fechado as sete chaves, tímida e silenciosa. Seus olhos mesmo expressivos, as vezes, era um mistério o encarando como se visse através de sua alma, não duvidou nenhum segundo que aquilo poderia realmente ser verdade. A princípio, eles não tinham conversado muito sozinhos, além de algumas palavras cordiais ao chegar e sair do trabalho, mas depois de tudo que aconteceu no parque as coisas começaram a mudar, gradativamente. Ela começou a o acompanhar quando ia para a sacada ver a vista, tomavam café em silêncio até que um dos dois se levantar para ir dormir, quase sempre era a moça já que ele só conseguia deitar depois de algumas grandes doses de álcool.

Aquela era uma noite assim, depois de sair do trabalho no ateliê de Isadora a morena tomou uma ducha e foi se sentar na sacada, mesmo que mais de meia dúzia de pessoas tenham ficado na sala, em uma social mais do que comum. Como de costume o rapaz já estava ali, olhando o céu, perdido em seus próprios pensamentos, alheio ao que os seus amigos estavam dizendo. Porém, não perdido o suficiente para não perceber sua chegada.  Permaneceram alguns minutos de silêncio, no entanto, algo estava diferente, ele estava mais inquieto, seus pés tocavam o piso diversas vezes e de forma bem rápida, tomava seu café de forma mais apressada, perceptivelmente ansioso. Ela ficou com receio, mas depois de alguns segundos respirou fundo e disse:

—Benício.–o chamou sentindo o mesmo focar seus olhos escuros nela no mesmo instante, a mesma tentou sorrir de forma amigável, e casualmente acrescentou:—Como foi o trabalho hoje?– não era bem aquilo que queria perguntar, contudo ir direto ao ponto poderia parecer rude.

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