29

5 0 0
                                    

    "Depois de sonhar tantos anos"

Marisa Monte



 Eu me lembro como se fosse ontem de cada detalhe do momento em que assinei o contrato.  Lembro-me da espessura da caneta, do cheiro da tinta, do barulho da ponta da caneta riscando o papel quando terminei de selar meu destino. Lembro-me do brilho nos olhos de Diego e da luz esperançosa em seu sorriso. Lembro-me de ver novos sonhos nascendo nos olhos de meus mentores. Lembro-me de me sentir livre, das lágrimas saindo junto com uma gargalhada enérgica que influenciou a todos. Malcon abriu uma garrafa de champanhe e foi a primeira vez que bebi algo alcoólico.  

  Depois da pequena festa eu e Diego saímos do escritório. Na saída ele segurou firme na minha ao como se precisasse segurar algo real para ter certeza que não estava vivendo um sonho. Entrelaçamos nossos dedos e caminhamos pela rua como dois vencedores, pois era o que éramos.

  Alguns quarteirões a frente lembrei-me de ligar para a rainha para contar a novidade. Sim eu tinha alguns privilégios. Ela atendeu depois de alguns toques.

 -- Queridíssima Louise! Sabia que iria e ligar depois que visse os noticiários. 

-- Não, não vi noticiário nenhum. O que aconteceu?

-- Louise, eu acabei de abolir a lei de Jaqueline. Você e Tomás podem ficar juntos sem medo. Por que me ligou então? 

-- Eu vou embora pra Paris... 

  Nenhuma de nós esboçou nem uma palavra por um tempo. Por fim eu disse:

-- Onde está Tomás? Preciso falar com ele.

-- Vai terminar com ele por telefone Louise?

-- Não né Dalia! Já ouviu falar de relacionamento a distância? 

-- Tomás saiu hoje de manhã pra te encontrar pessoalmente. Ele já deve estar chegando.

  O susto me fez desligar o celular na cara de minha majestade. Gritei um táxi assim que desliguei, e um carro logo veio atender. Entrei no veículo e puxei Diego junto. Expliquei toda a situação pra ele enquanto ele apenas arregalava os olhos. Um pouco antes de chegarmos ele me perguntou:

– O que vai dizer a ele? 

 Pensei um pouco e respondi o que a muito eu já tinha respondido a mim mesma: 

– Isso depende do que ele vai dizer.

   Descemos do táxi na porta da minha casa e não foi nenhuma surpresa quando entrei e Tomás estava na mesa conversando com meu irmão. Ele estava vestindo o uniforme do castelo, e o quepe estava na mesa. Ele sorriu pra mim, mas eu não sorri pra ele. Olhei para me irmão e Diego e pedi para que se retirassem. Os dois saíram para o quintal, quando olhei para Tomás novamente, seu sorriso tinha sumido. 

– O que é isso Lou? Está me assustando. – Disse ele com a voz trêmula.

– Agora pode falar – eu disse me sentando na cadeira mais próxima na certeza que os próximos segundos precisariam ser vividos sentada. 

– Agora somos livres... Eu fiquei sabendo disso ontem. E agora que é oficial, queria te pedir para que seja oficialmente minha namorada. 

  A cada palavra que Tomás dizia ele dava um passo pra frente. Quando terminou, estávamos tão perto que eu podia sentir sua respiração. Sua boca estava tão perto da minha e eu podia finalmente o beijar e me entregar a vida que tinha esperado nos últimos anos. Mas, algo em mim, minha razão talvez, me fez afastar. Eu disse sem fôlego:

– Acho que seria interessante se você ouvisse o que eu tenho a dizer. 

– Diga. – disse meu amante depois de engolir em seco.

 – Eu recebi uma proposta muito boa. E eu aceitei. Assinei hoje de manhã. 

– Que bom! Eu fico feliz! Por que não me contou sobre isso ontem quando te liguei? – ele se aproximou novamente, mas fiz sinal pra parar. Então disse lentamente:

– Eu não tinha certeza se ia aceitar...


 – Você tinha que aceitar se é uma grande oportunidade e... 

– Eu vou embora para Paris! Disse quase gritando fazendo com que ele se calasse e lágrimas brotassem de seus olhos. 

Tentei consertar meu golpe: – Mas nós já passamos por tanta coisa um relacionamento a distância não é tão diferente! Você recebe bem, pode ir me visitar, pode pedir folga, ficar uns dias lá...

– Mas eu não aguento mais. Não aguento mais essa distância. Por que você foi assinar isso?

 – Porque é a oportunidade da minha vida! 

– Eu... Eu entendo. – a cada palavra dita ele chorava mais, o que me fez chorar junto. Ele continuou – Eu também recebi uma grande proposta e aceitei. Trabalharei direto para a rainha, sou a segunda maior autoridade no setor de segurança do castelo agora. Recebi um bom salário e um lindo apartamento nos limites do castelo. Eu aceitei claro. Pensei que poderíamos criar nossa família lá e viver felizes para sempre. Eu estava errado?

– Talvez agora só não seja nosso tempo. Precisamos seguir nossos olhos. 

– Nós seríamos tão felizes... – Tomás balbuciou entre soluços. Eu não pude segurar as palavras que saíram do meu coração:

– Mas você mesmo disse que seria uma prisão, que eu deveria sair quanto antes!

 – Mas agora é diferente Louise! Eu sei que você é um pássaro e o palácio pode ser como uma gaiola... 

– Não... Eu sou uma borboleta e borboletas não podem ser presas em gaiolas. 

 Do nada ele parou de chorar. Enxugou as lágrimas, colocou o quepe e endireitou a postura. Então disse com a voz embargada: 

– Você tem razão. Temos que seguir nossos sonhos. Eu te amo. Boa sorte em sua nova vida.   

 Dizendo isso, Tomás saiu pela porta e eu não tive a oportunidade de dizer que o amava. Mas talvez, fosse melhor assim. Depois daquele dia, nunca mais o vi... 


Asas protetoras - Terceiro livro da trilogia "anjo"Where stories live. Discover now