Epílogo.

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Cozinha.

O barulho vinha da cozinha.

Algo rangia, algo batia, e aquilo era tão alto ao ponto de fazer sua cabeça quase estourar. Sentia frio. O ar nem estava ligado, mas mesmo assim, tremia. Uma baita discordância com o que ele havia tornado-se no momento: alguém encolhido, o suor escorrendo pela face e o peitoral desnudo. Parecia estar derretendo. Quem sabe por dentro.

Havia despertado da pior maneira possível. Um pesadelo, mãos sufocando-lhe o pescoço, a respiração cessando gradativamente, e então os olhos abriram-se. Lá estava ele, sozinho, tentando recuperar o fôlego perdido, tentando não morrer abandonado. E então o barulho. O maldito barulho vindo da cozinha, huh, desesperador. O temor queimava por seu corpo e ele tinha a sensação de que daquele dia ele não passaria. Tudo de novo, tudo de novo. Ninguém o tocara naquele instante, mas sentiu a dor lancinante do passado tortuoso ferir-lhe cada canto do corpo. Não havia nada pior do que sentir-se frágil. Não havia nada pior do que sentir-se sozinho.

Não havia nada pior do que sentir-se morto.

Não sabia como iria sustentar-se com o corpo tão inutilizável daquela forma. Ele parecia sentir cada um de seus pensamentos claros sobre um algo não agradável e não queria, de jeito nenhum, funcionar no instante em que percebera seu destino repugnante a aproximar-se gradativamente. Caminhou como uma criança leiga. Pareciam os seus primeiros passos durante toda a vida. Um pé na frente, depois o outro e depois o outro. Devagar, movendo aquele corpo debilitado e esguio até a porta, retirando-se do quarto que dessa vez parecia-lhe tão vasto, tão... Incômodo. Não tinha paz. Não tinha, mesmo que sorrisse, mesmo que tentasse, sentia que havia algo errado.

O corredor da casa o sufocava. Por um momento fechou os olhos em um segundo de desespero profundo, em um segundo de total confusão interna. E ele ouvia tão bem as batidas do seu coração descompassado e assustado como ele próprio, de sua respiração falha e curta, de sua saliva escorrendo goela abaixo. Mais uma vez, o tinido não tão alto vindo da cozinha o assustara e ele agarrou-se em uma das paredes. Droga, Burn, isso é coisa da sua cabeça. Você precisa parar de pensar em bobagens e se concentrar no presente. Todos sabem que essa merda acabou. Todos sabem que ele já não está mais aqui.

Mas era tão difícil manter-se bem quando tudo estava ali, impregnado em seus pensamentos. Os olhos dele. O sorriso dele. O cheiro. As mãos. As palavras. As cinzas.

Caminhou mais um pouco. Mal havia despertado, mal havia levantado-se e já sentia-se exausto como se estivesse virado à quarenta e oito horas direto, ou mais. Quando viu-se próximo ao local no qual não gostaria de estar, tudo em si era bagunça e ele cogitou voltar para onde estava inúmeras vezes. Talvez fosse-lhe mais seguro; ou talvez não. Não tinha mais noção do que fazer, de como fazer e caso a sua hora chegasse, ele definitivamente já era. Nagumo acreditava ser só um pedaço de carne trêmula e indefesa. Nada mais do que isso. Sempre fora.

Lentamente, adentrou o lugar. A adrenalina em si era tanta a ponto de sentir-se tonto, enjoado. E como já era de se esperar, não suportou tanto por muito; quando os sentidos perderam-se e a vista embaçara rapidamente, o corpo tombara para o lado, recostando-se fortemente na bancada de madeira ao lado. O tinido do encontro seguido dos suspiros e murmúrios de dor foram altos o suficiente para fazerem o barulho primário cessar quase que instantaneamente. E não demorou. Deu-se para ouvir algo sendo solto.

- Nagumo?

A voz parecia-lhe um tanto distante, mas suas pálpebras fecharam-se por algumas vezes quando, logo, reconhecera a voz por perto. Subitamente, encontrou forças para sair dali. Subitamente, mesmo que dolorido, fez esforço e empurrou-se contra a bancada, aproximando-se um tanto ofegante da voz no qual escutara momentos antes. E finalmente, o viu; os fios platinados e longos, a pele alva e levemente ruborizada, os olhos claros fixados nele. Ambos encararam-se por segundos em silêncio, um a procura de entendimento, o outro aproveitando o acalmar repentino do coração ao poder observá-lo presente ali.

Spice!Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin