Chá - Parte II.

23 3 0
                                    

"Todos sabem que a guerra acabou.

Todos sabem que os rapazes bons perderam.

Todos sabem que a luta foi armada.
Os pobres continuam pobres, os ricos ficam ricos.
E todos sabem que você está passando por problemas.
Todos sabem o que você passou desde a cruz sangrenta em cima do Calvário.
Mas a praga está chegando, movendo-se lentamente
Antes que o homem torne-se tão somente um artefato do passado.
É assim que as coisas são. Todo mundo sabe."


---- S.P.I.C.E.! ----


Japão, Tokyo.




Ah, Hiroto gostava tanto dele.

Tanto quanto gostava de biscoitos ou bolo de morango.

Tanto, mas tanto, que tal euforia fazia o rapazinho de cabelos ruivos correr pelas calçadas da cidade cedo da matina só para vê-lo entrar pelo portão da escola e lhe dar bom dia. Bom dia! Nem era muita coisa para uns, mas para ele significava muito. Nem tinha bons laços com ele, nem eram íntimos e duvidava muito que ele ao menos soubesse o seu nome, mas pouco lhe importava. Aquele cara legal, sorridente e divertido sempre retribuía o seu simples "bom dia" de forma gentil e, droga, como ele queria tornar-se amigo dele. Era uma vontade quase que incontrolável de chamá-lo para jogar bola, jogar cartinhas ou almoçarem juntos entre as árvores do pátio na escola. Hiroto nunca fora um rapaz consideravelmente sociável, não que fosse bruto, de fato, e muito menos tratasse mal as pessoas com quem convivia. Mas era tudo muito estranho. Desde o dia em que saiu do orfanato e viera parar em um colégio enorme, desde o dia em que seu sobrenome parecia não pertencer mais à si, desde o dia em que ele ganhou um pai, uma mãe, uma irmã e um irmão. Aliás, era tão gozado lembrar-se que o irmão possuía o mesmo nome que si, as mesmas cores de cabelo e que as pessoas confundiam o tempo todo. É claro que era tímido. É claro que tornou-se um tanto recluso quando entrara naquela casa, mesmo sabendo que o pai e a mãe sempre se esforçavam para fazê-lo sentir-se parte da família. Até o outro Hiroto, o seu mais novo irmão, sempre puxando-o para não ficar de fora da rodinha. A verdade era que Hiroto era grato por isso. Por ele. Pela gentileza, pelo carinho, mas precisava respirar um pouco.

E de repente, conhecera Nagumo Haruya, amigo do seu irmão.

Cara, Haruya era tão bacana!

Um sujeito gente fina, esperto, engraçado e talentoso. Hiroto costumava pensar que todas as pessoas do mundo deveriam desejar ser amigos dele assim como ele desejava, com o mesmo fervor, com o mesmo gosto. Entretanto, como aproximar-se dele? Simples: não se aproxime. Ora, qual era o problema de observá-lo ao longe? De vê-lo sorrir e divertir-se daquela forma na quadra enquanto ele permanecia quietinho na arquibancada torcendo para que ele marcasse um gol ou fizesse um ponto enquanto jogava vôlei com os colegas? Bem, não podia negar, doía um pouco. Existia um certo desconforto dentro do seu coraçãozinho todas as vezes em que percebia que não conseguia aproximar-se nenhum pouquinho, mas logo respirava fundo e imaginava que o importante era ele estar perto... E responder o seu "bom dia". Estava tudo bem. Ele estava bem. Todos estavam bem.

Até o dia em que ele sentiu o que não deveria sentir.

- O Hiroto não vem?

Era uma manhã chuvosa em Tokyo. Logo mais começaria a nevar e o inverno chegaria com tudo; todos sabiam disso. Não que Hiroto nunca houvesse ído à escola debaixo de uma chuva forte ou coisa assim, só que nunca havia ido sozinho. Dessa vez, não tinha dado para chegar mais cedo, nem mesmo esperar pelo amigo do irmão no portão e dar-lhe bom dia. Nem sequer era um bom dia, porque diabos seria tão idiota à esse ponto? Então correu sozinho pelas calçadas de Tokyo, segurando fortemente o guarda-chuva de cor azul, desviando das poças d'água em seu caminho – mesmo que vez ou outra acabasse por não conseguir -, apressado para que chegasse ao menos antes de sua professora de matemática. Chegou no colégio, retirou as botas molhadas e as colocou para secar junto ao guarda-chuva, calçou os sapatos rapidamente e correu para a sala. Tal qual foi o seu alívio ao perceber que sua professora ainda não encontrava-se presente, entretanto, um porém: todo o seu conforto momentâneo cessara quando avistou, ao longe, o rapaz de cabelos ruivos que tanto gostava aproximar-se lentamente após falar rapidamente com um dos colegas que o acompanhavam no momento.

Spice!Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt