29. Até mais tarde

Start from the beginning
                                    

— Eu, provavelmente, teria odiado se fosse obrigada a usa-la por tanto tempo. — Joana pisca, as lágrimas incomodando seus olhos sensíveis. — Mas seu pai era um ser humano melhor do que eu. Sempre o admirei pelo modo de ver a vida como um copo meio cheio ao invés de meio vazio, compreende? Havia tantas coisas para se preocupar no mundo, por que ele criaria um caso por causa de uma cor?

— Ele era bom nisso. Preocupar-se com o mundo. E, na maior parte do tempo, nós éramos o mundo dele. — Suspira. — Como você está?

Os olhos verdes de Joana encontram os idênticos de Lauren, e ela respira fundo. "Como podemos ser tão parecidas fisicamente se nem compartilhamos do mesmo sangue?". Depois sorri. As duas sabem que é de tristeza. Pobre mulher e seu coração quebrado. Não demora muito para que seus ombros curvem para a frente. Joana cobre o rosto com as mãos e começa a tremer da cabeça aos pés. Lauren não sabe exatamente o que falar, porque nunca viu sua madrasta daquela forma e não tem certeza de que exista alguma coisa que possa fazê-la se sentir melhor. Ver a mulher desmoronar a fez sentir tão impotente, que tudo que Lauren gostaria de fazer é absorver toda dor em seu coração e mandá-la para bem longe, tão longe que não poderia alcança-las. Joana continua chorando por mais alguns instantes, encontrando conforto nos braços de sua enteada que os envolve em torno de si, antes de enxugar os olhos.

— Perdão. Eu... Eu não queria que me visse dessa forma. — Lauren nega, discordando do pedido de desculpas. — Sou a adulta aqui, a última coisa que preciso é que você pense que não pode encontrar um porto seguro em mim. Não posso desabar.

— Pare, não faça isso consigo mesma, Jo. Eu realmente não me importo que chore na minha frente. — Responde deixando claro ao apertar mais um pouco o abraço. — Você não fez nada de errado, então não peça perdão. Eu, por outro lado, fui egoísta vindo até aqui e deixando-a sozinha para enfrentar aqueles abutres que só querem um pouco de atenção. Deveria ter ficado lá dentro com você.

— Esqueça, eu entendo o que fez. Estou aqui também, não estou? Não vim para te buscar, mas para fugir também. — Murmura com um sorriso torto nos lábios sem batom. As duas se afastam um pouco para olhar nos olhos novamente. — Como você está?

— Bem. Estou bem, na medida do possível. — É mentira, e Joana sabe que é mentira. — Talvez a ficha não tenha caído ainda, entende? Só que pode cair a qualquer momento, amanhã quando eu acordar, na próxima semana quando estiver na escola... Eu não sei quando, mas irá.

— E eu estarei com você. Pra você. — Lauren passa seus dedos pela madeira do banco, sentindo a textura áspera na pele lisa. — Estava com medo, não é? Medo de que fosse embora e a deixasse com alguém da família do seu pai, certo?

— Entendo se fizer isso. Não quero prendê-la aqui. — Confessa baixinho. Uma lágrima cai pelo seu rosto pálido, e se vira para Joana, que parece um tanto irritada com aquelas palavras.

— Pare de dizer bobagens, Lauren. — Fala com autoridade. — Não quero mais saber que andou pensando uma coisa dessas, ouviu bem? Não irei abandona-la, sabe o porquê? — Lauren nega. — Você é minha família. Sempre foi e sempre será, não importa o que digam. Eu e você.

Eu e você.

Você daria uma chance a alguém novo? Ou protegeria seu coração?

O garçom traz para ela a bebida que pediu minutos antes. Ela dá um gole, depois se recosta na cadeira e examina o lugar sem prestar atenção às pessoas de fato. Está preocupada como nunca esteve. Sua filha, que está dormindo como um anjo no quarto de hotel que reservaram às pessoas quando decidiram que viriam à Boston, mentiu, escondeu coisas que não deveria e agiu de forma que colocou sua própria vida em risco. Algo pior poderia ter acontecido e só de pensar em Lauren numa cama de hospital tendo que lutar para sobreviver faz seu coração encolher até quase virar do avesso. Mal consegue acreditar que aquilo realmente acontecera, a menina nunca agira tão imprudentemente antes e, agora, a confiança nela fora abalada totalmente, mas não o amor. Joana sempre amaria Lauren, principalmente quando ela mais precisasse. O que foi feito já é passado. Não dá pra ficar batendo na mesma tecla e esperar que haja alguma mudança. É preciso agir. E a advogada sabe que precisa fazer isso o quanto antes para não perder sua garotinha.

Qual som seguir? [EM REVISÃO]Where stories live. Discover now