Fragmentada

672 66 2
                                    

Fui eu quem deu o primeiro beijo nela, porque eu sou uma pessoa bem direta, quando quero algo vou atrás. Fiquei feliz, pois o sentimento era mútuo. E nessa fase da minha vida eu não dou a mínima para o que as pessoas têm a falar de mim, então assumi meu romance com ela. Eu percebi que ela estava um pouco insegura, achei que fosse a coisa da diferença de idade, status social, mas deixei bem claro a ela que nada disso fazia a menor diferença para mim. Até o dia que ela me chamou para conversar sério. Nos encontramos num restaurante que fica no topo de um prédio da cidade com uma bela visão do Central Park. Era um dia de semana à tarde e nós conseguimos um horário em nossas agendas. Andrea se sentou séria na minha frente.

"Então, preciso te contar uma coisa muito séria, antes de a gente continuar."

Ela parecia bem ansiosa, quase desesperada. Eu permaneci em minha atitude serena.

"Não vai me dizer que isso tem relação com o fato de você ser uma agente secreta?", eu perguntei com um leve sorriso, pois aquela história nunca me convenceu.

"Bem, um pouco. Na verdade muito. Mas eu não sou agente coisa nenhuma."

"Nem precisava me confirmar."

"Eu vou entender se você não quiser continuar comigo, não se sinta culpada por nada. O problema é só meu."

"Andréa, pare com esse suspense e me diga logo o que é."

"É que...eu tenho uma condição..."

"É DST, AIDS?", eu perguntei séria.

"Hã? Não, urgh, não, não é nada disso", ela fez uma carinha de nojo.

"Você tem algum defeito congênito, um gêmeo pendurado na barriga? Verrugas?"

"Miranda! Não, não é isso. Não é físico."

"Hum", eu não tenho bola de cristal então só podia esperar pelo esclarecimento.

"Eu tenho uma doença mental", ela me falou séria.

Recebi a notícia com calma. Certo. Tudo bem, hoje em dia, muitas pessoas tem doenças mentais e vivem muito bem.

"Você é bipolar? Esquizofrênica? Por que se for, não é problema pra mim, eu mesma, devo ter algum nível dessas doenças."

"É algo meio relacionado a isso, talvez uma mistura dessas coisas todas. É algo que a medicina chamava de Transtorno de Personalidade Múltipla, mas eles mudaram o nome agora, mas basicamente é isso, eu tenho múltiplas personalidades."

"Oh", eu disse com surpresa. "Igual aquele filme "Sybill", com a Sally Field?", eu já tinha visto aquele filme várias vezes.

"Sim e "As três mascaras de Eva", é, a mesma coisa."

Puxa, fiquei atônita. No mesmo instante, estendi minha mão e segurei a dela. Eu não queria que ela se sentisse envergonhada.

"Tudo bem, não é problema pra mim. Não se preocupe com isso, não vou te deixar por causa disso."

Andréa soltou o ar que estava segurando, eu percebi que ela relaxou.

"Tá bom?", eu me levantei e a abracei. Que ser extraordinário eu tinha escolhido para amar.

***

"Quantas personalidades são ao todo?", eu estava abraçada a ela, porque não queria que ela se sentisse desamparada nesse momento tão delicado. Nós fomos para a minha casa, achei que ela poderia ficar mais a vontade para me contar tudo.

"Pelo menos umas 20. Algumas aparecem mais, outras menos. Tudo depende da situação. Se estou muito ansiosa por qualquer coisa, alguma pode tomar conta de mim e aparecer, como aconteceu quando nós nos conhecemos, porque eu acho que ela vai ser melhor pra lidar com determinada situação."

Andréa me contou tudo naquele dia. Nós choramos juntas, porque eu pude entender as situações que ela se sentia muito fragilizada e as personalidades vinham à tona. Ela me contou que algumas vezes que estivemos juntas, alguém apareceu, mas que ela não se lembrava de quem era. Ela tinha uma leve amnésia quando outra personalidade tomava conta dela. Mesmo assim, ela conhecia quase todas. Ela me contou de seu tratamento e a partir daquele dia, me encontrei algumas vezes com seu médico, Sidney, que me explicou muitas coisas e a partir de então, eu mesma me deparei com suas múltiplas facetas. 

FragmentadaWhere stories live. Discover now