Capítulo 24

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Quando converso com Nícolas para informar que está próximo o momento dele agir, tento perceber alguma palavra ou expressão que o traia, mesmo um leve movimento nos olhos, mas só consigo ver genuinidade.

Os dias continuam correndo. Elana nos mostra as várias doenças comuns entre nosso povo, entre elas cólera, sarampo, gripes e tuberculose. Quando vemos fotos, me lembro dos enjoos de Suzana no mês passado, que certamente continuarão. Entendemos os processos de criação de vacinas e soros, como também suas aplicações. Executamos várias vezes no laboratório o desenvolvimento dos compostos.

Pelo conteúdo de nossas aulas entendemos que nesse mês, para nosso contínuo espanto, não haverá Resistência. Encaramos como tempo extra para aprimorar o desempenho que queremos ter na noite de ação, como a passamos a chamá-la. Todos os dias depois do expediente, Elisa e Suzana treinam corrida, com o objetivo de conseguirem passos longos e suaves. Para todos que olham, as duas não estão fazendo mais do que exercícios.

Também nos preparamos. Todas as noites Rubens arromba várias vezes a fechadura da porta de nosso quarto – ele usa um clipe de papel que conseguiu no laboratório. Charles me mostra em seus desenhos o que provavelmente encontrarei no armário; a trava será a parte mais complicada, terei que abrir o display de senha, encontrar os parafusos certos, soltar toda a capa plástica que reveste a tranca propriamente dita e alcançar um pequeno ferrinho que quando puxado, destravará a porta. Seu eu não conseguir essa primeira parte, podemos dar adeus ao resto. Depois da tranca, encontrar um slot e fixar a placa não será problema.

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A prova mensal é do mesmo modelo da anterior, a papel e caneta. Durante o almoço, logo após o teste, Charles me passa sua faca de mesa tão discretamente que nem as meninas ou Rubens percebem. Já temos nossa "chave de fendas". No final daquele dia recebemos os resultados e todos nós pontuamos.

"Já faz um bom tempo que ninguém morre", diz Suzana no jantar.

– Com certeza vão ter Honras no final desse mês – Elisa gira o copo na mesa.

– Então será esse o mês – digo, fitando-os.

Após o toque de recolher, pouco antes de dormirmos, Rubens exibe sua destreza no arrombamento de portas. Ele destranca o banheiro e o quarto em menos de seis minutos. Isso nos relembra que teremos de fazer movimentos perfeitamente sincronizados com o relógio, para que quando ele religar a energia, eu não esteja mais com a porta do armário aberta.

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As cornetas soam dez minutos mais cedo no dia seguinte, tirando-nos da cama e colocando-nos imediatamente na frente das telas. Às sete horas, o fundo preto é substituído por Félix de pé, em alguma parte da torre da diretoria; sua voz invariável anuncia:

– Atenção, Renegados. Exatamente daqui uma hora, todos deverão estar na entrada do hospital; no mês passado vocês estiveram em contato com a mortal V-5, por isso aplicaremos um soro para prevenir qualquer possível surto da doença em nosso meio. Sabemos que as chances reais disso acontecer são mínimas, mas precisamos seguir o protocolo.

Sem demora nos uniformizamos e descemos para o hospital. Já há filas para cada casa, orientadas pelos instrutores. Distantes de nós consigo ver as cabeças de Suzana e Elisa.

Não demora muito para que eu seja atendido. O enfermeiro escaneia meu olho com a máquina já conhecida e me pede para sentar numa cadeira com apoio para o braço.

– Aparentemente você não está infectado, mas, mesmo assim, tenho que aplicar o soro.

Estendo o braço e ele amarra uma liga elástica antes do meu cotovelo. Minhas veias se estufam e a agulha da seringa penetra uma delas. O conteúdo é injetado causando uma dor escruciante, me deixando tonto e com visão turva, até faz subir um leve formigamento no maxilar.

Os RenegadosWhere stories live. Discover now