Essa é a pior noite de todas. Sinto uma gritante dor por perder Elisa. Desejo desesperadamente voltar para casa, contar para meus pais o segredo sombrio de nossa família e fugir com os dois para alguma parte isolada do nosso mundo. Simplesmente sumir. Ainda quero me enganar com desculpas por não ter encontrado Elisa – ela pode ter ficado no apartamento o dia todo, pode não ter aguentado a pressão e se dado um dia de descanso. Mas ela não é egoísta a esse ponto.
A única coisa positiva é eu ter certeza de que não estou aqui por culpa do meu pai, embora ainda não saiba porque ele me pediu desculpas.
Me sento em cima da cama; olho para o lado esquerdo e vejo Rubens e Charles dormindo. Somos quatro agora e perder Elisa me fez ver que nada pode nos tirar daqui se não nós mesmos. Qualquer ajuda que eu receba de Nícolas não será suficiente quando a pena por errar for simplesmente a morte e nossas mãos ficarem atadas. A morte é previsível quando se é descendente de contraventores.
Se antes eu sentia a cama pequena, agora toda a Arena parece minúscula. Conto cada segundo dessa noite, até ela acabar.
Meus olhos esquentam e minha visão fica turva quando estamos nas filas para a ocasião das Honras; não vejo Elisa em lugar nenhum, mesmo verificando, dezenas de vezes, face por face nas filas de Rossine. Assim que o hino fúnebre começa, abaixo a cabeça e fecho os olhos. Sei que não suportarei ver o rosto dela no telão dos mortos.
O café da manhã é feito em silêncio, quase não comemos. Eu mesmo não como. Charles só encara as panquecas que tanto gosta, comendo um pedaço vez por outra. Não dizemos nada a respeito, nenhuma palavra de consolo, nenhuma palavra de conforto, nenhuma colocação de culpa. Lamentamos no silêncio mais gritante que a Arena poderia ouvir. Até os outros Renegados estão sentidos por nós – vez por outra vejo um deles perdendo o olhar em nosso meio. Para terminar de me massacrar, tem uma maçã bem na minha frente – a fruta que um dia deixou Elisa feliz por ver seus irmão satisfeitos.
Furor me sobe, agarro a maçã e a jogo contra parede, despedaçando-a. Todos olham para mim, dá para ouvir os talheres sendo repousados nos pratos. Os instrutores me encaram. Saio por entre as mesas e quando vejo, estou no meio da Praça Neutra, de joelhos.
Braços me envolvem, primeiro os de Suzana e depois os dos meninos. Choramos juntos o nosso luto. Ninguém veio atrás de nós, eles sabem que isso é particularmente nosso, ninguém ao menos reclamou por ter sido sujo pela maçã que espedacei.
As sirenes tocam nos obrigando a entrar nas salas.
Até onde consigo me concentrar, temos um novo instrutor, seu nome é Lucas, ele nos ensinará Tecnologia. Quando percebo que meus olhos doem, lembro que preciso piscar para lubrificá-los e quando meus pulmões ardem, lembro que preciso respirar.
Precisei perdê-la para reconhecer o que sentia.
Trocamos de sala. Agora estudaremos em um laboratório, cheio de computadores e ferramentas científicas. Obrigo-me a entender algo, porque, segundo Lucas, só teremos hoje para aprender as funções básicas de um computador, desde seu funcionamento até a sua montagem. Como sempre, ao final do primeiro dia de uma matéria, recebemos um pesado livro.
Volto para meu apartamento, está vazio. Passo para o quarto e fecho a porta, troco de roupas e calço uma bota, mas em seguida retiro-as e calço chinelos quando raciocino bem o que quero fazer. Coloco as botas na minha mochila junto com o arco desmontado e a aljava com as flechas.
Em nosso lugar habitual próximo ao centro de Conservação, pulo a grade e vou para a clareira que usamos da última vez para treinar o tiro de flechas. Fixo um alvo mental no tronco de uma árvore e começo a atirar, imaginando cada um daqueles rostos que controlavam os computadores da Resistência que matou Elisa. As flechas tinem ao vento, mas poucas atingem meus alvos.
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Os Renegados
General FictionA Arena dos Renegados inicia mais dois anos de testes brutais, onde o limite é a própria morte. Quatrocentos jovens são selecionados a cada período e alguns dos poucos que sobrevivem ao treinamento ganham um novo destino: governar a humanidade. Após...