27. Uma luta com sacrifício

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AINDA NO CLÃ NICBLOOD.

Na manhã seguinte, levantei disposta a contar tudo que agora eu sabia para Dinter-Dim e a conseguir algo concreto que nos permitisse partir dali sem mais demoras. Contudo, ambas expectativas foram frustradas, primeiramente porque assim que olhei pela janela percebi que o chuvisco fraco da noite anterior tinha se transformado numa chuva extremamente forte, com nuvens tão negras que deixavam tudo lá fora parecendo que ainda era noite.

O segundo motivo foi que quando eu desci as escadas para encontrar os outros, tentando pensar num segundo plano, afinal, eu sabia que os Flagelos estavam no clã e, portanto, estávamos em perigo e tínhamos que sair daquele lugar, descobri que Dinter-Dim tinha saído para conseguir algumas coisas que a empregada não soube me informar o que eram.

Só me restava, então, esperar.

O imenso casarão de Dâna tinha dois andares e era feito de pedras e madeira, cercado por faias e teixos, com quartos amplos e individuais para nós três – embora Mabel e eu tenhamos optado por ficar juntas –, e tinha também quem nos servisse de tudo durante todo o dia. Tal comodidade foi boa, levando em conta tudo que fomos obrigados a passar antes de chagar ali, mas desde a madrugada, aquele sonho e o contato com Malcon não saiam da minha cabeça, e mesmo depois de ter dormido tranquilamente, ainda sim acordei como se tivesse tido grandes esforços durante a noite, pois meu corpo doía bastante. Enquanto lanchávamos pela manhã, Mabel e eu aproveitamos para conversar com a empregada que nos servia a respeito de como as coisas funcionavam ali.

Acabamos entendendo que o clã NicBlood era bem maior do que o que vimos noite passada e que ali ficava apenas o primeiro do que eles chamavam de ducados, isso porque eram regidos por chefes que viviam como duques e comandavam a subordinação militar à Cidade-Forte. O clã deveria manter as fronteiras protegidas e vigiadas, de modo que nada potencialmente perigoso pudesse entrar no território da fortaleza principal sem o conhecimento deles e caso a Cidade-Forte sofresse algum ataque de exércitos inimigos, os clãs seriam os responsáveis por isso. A empregada nos contou também que ao seguirmos o Rio do Sangue, que escorria das montanhas a fora para o oeste, chegaríamos aos outros centros populacionais do clã, o que tornava o território dos NicBlood bem grande e quase todo entre cânions. Nos ducados, outros chefes ou duques eram os responsáveis e tinham muitos soldados treinando como bárbaros.

Quando terminamos – e enquanto Mabel foi tomar banho e Dinter-Dim ainda não havia chegado –, aproveitei para pedir à empregada que fizesse um curativo na minha ferida. Descobri que o lado bom de ser um hóspede de um nobre em Penina era que os empregados faziam tudo que quiséssemos sem perguntar o porquê. O local estava inchado e uma bolha pálida havia se formado, de modo que estava sendo difícil até mesmo movimentar meu braço caso a inflamação aumentasse mais. Por sorte a empregada cultivava ervas nos fundos da casa e com elas tratou o local, o que foi bom, pois durante todo o restante do dia não senti nada além de um ardor tolerável – que supus ser por conta das ervas. Minha intenção era procurar um Ancião quando houvesse oportunidade, para que ele me curasse, mas enquanto eu não achava um, daria para suportar.

Depois de todas essas coisas, Mabel voltou com roupas novas e ambas estávamos na sala esperando ansiosas quando Catterick e Dinter-Dim entraram de repente pela porta, encharcados e batendo os pés molhados na madeira junto à soleira.

– Esse temporal definitivamente não é normal – o chefe anunciou quando entregou para uma das empregadas o casaco pesado de molhado que tirou –, sem falar que é fora de época também, não acham? Ainda ontem comemorávamos a colheita, o que é estranho. Os ventos estão fortíssimos e o Rio do Sangue está enchendo as casas, acho que nunca ele esteve tão cheio, sem falar que se formaram cachoeiras nos paredões ao nosso redor e todos estão temendo por uma inundação no vale.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Where stories live. Discover now