5. Um grande muro

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NO BOSQUE ATRÁS DA MANSÃO.

Dinter-Dim não estava me vendo, até porque, imaginei que eu deveria ter sido um problema para ele só até ele ter conseguido sair daquele quarto. Depois disto, sua preocupação se voltou completamente para o seu problema inicial: ir para onde estavam esperando por ele – seja lá onde isso fosse.

Mas mal sabia ele que eu estava logo ali atrás, em seu encalço.

Quando ele entrou no bosque e eu também, ainda que temerosa de passar para dentro daquela parede de árvores, passei a ter cautela. De longe vi a silhueta dele correr entre duas árvores, depois vi seu chapéu de quatro pontas entrar e sair atrás de um caule grosso. Tratei de correr mais rápido, mas à medida que nós entrávamos mais no bosque, menos a luz da lua passava pelas copas das árvores. Aqui e ali havia um feixe fino de luz, mas tudo em redor estava em completo breu. Pude escutar piados, sapos crocitarem e até sibilados, e a cada vez que meus pés descalços pisavam em lodo e lama, eu sentia gastura entre os dedos e vontade de gritar. Só consegui segui-lo sem perdê-lo por conta dos seus sinos incessantes, que não paravam de soar enquanto ele corria. Isso me dava a direção e, vez ou outra eu o via passar feito um vulto pelos fios de luz.

Mas então ele chegou numa clareira onde as árvores acabavam num muro alto que parecia de concreto, contudo era todo revestido de cipós dos mais variados tamanhos e grossuras, de modo que era fácil pensar que aquilo era uma cerca viva de alguma trepadeira resistente. Não vi a altura dele, mas parecia extenso e dava a impressão de que o bosque acabava ali. Parei mais atrás, escondida pelas raízes das árvores, e observei Dinter-Dim olhar para o alto do muro e, pouco depois, gritar:

Nêspera! Nêspera!

Houve uma pausa, mas não demorou para haver resposta. Para meu espanto, alguns dos cipós começaram a se mexer e se arrastar e quase dei um pulo para trás quando, entre eles, fora aparecendo um grande rosto de madeira cujos olhos brilhavam amarelo-ouro. Não era como se o rosto fosse esculpido na madeira, mas parecia que os próprios cipós o tinham formado e o animado. Os olhos amarelo-ouro encararam Dinter-Dim, que ao contrário de mim, parecia não estar nada admirado com aquilo.

– Quem me chamou? – o rosto perguntou numa voz tão grave que era difícil entender.

– Quero passagem – Dinter-Dim afirmou sem sequer tremer com a presença da figura estranha.

– E por que eu devo deixar? – o rosto retorquiu prontamente. Sua voz, embora grossa e aparentemente rude, tinha um quê de abobalhada.

– Sou Bobo-da-Corte, você sabe, e estou atrasado para um baquete real. Se você não me deixar passar agora, será responsável por minha morte, está me entendendo?

A rosto de madeira, com poucas feições, pareceu cético.

– O rei não o mataria por faltar a um banquete – comentou.

– Eu não quero apostar isso, afinal, é a minha cabeça que estará em jogo, não a sua. Aliás, ao contrário de você, eu não funciono só com ela. Agora, por favor, pode me dar passagem?

Confesso que eu quis rir da forma como Dinter-Dim falou aquilo. Ele tinha um jeito engraçado de falar ignorante. Por outro lado, pareceu ser o suficiente para convencer os cipós falantes, pois, sem mais demora, os cipós começaram a contorcer novamente, mas, dessa vez, abrindo caminho para Dinter-Dim passar: uma portinha estreita um pouco ao lado de onde o rosto de madeira animado se formara.

– Mande lembranças ao rei – ele disse ao Bobo quando este se apressou pela passagem, mas Dinter-Dim não respondeu. Precipitou-se pela porta tão rápido quanto antes e esta foi coberta novamente pelos cipós rastejantes logo após ele sumir.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Where stories live. Discover now