20. Uma fuga turbulenta

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NOITE DA FUGA.

– É... hum... n-não... – Dinter-Dim sequer conseguiu segurar o gaguejo diante do irmão. Recuou dois passos e me olhou por sobre o ombro. – N-não é nada disso, Púquel – concluiu, mas sem convencer ninguém.

– Como não? – o outro bobo crispou os cenhos, decidido. Por ser um pouco mais alto que Dinter-Dim, ele o olhava de cima. – Eu ouvi você dizer que não podiam reconhecê-los e ainda por cima lá fora! Vocês estão planejando sair do castelo, mesmo estando proibido, não é isso?

– Púquel, calma, nós temos motivos – ele argumentou, sacudindo as mãozinhas diante do irmão. – Cristine precisa encontrar El...

Dinter-Dim, não! – eu interrompi antes que ele vazasse o plano que deveria ficar em segredo.

Então depois de uma pausa ele se corrigiu:

– É algo que depende de nós e somente de nós.

– Você me prometeu que não se meteria mais em confusão – Púquel-Púcil exigiu, cortando o ar com a mão. Seus sininhos sacudiam juntos com os de Dinter-Dim. – Principalmente depois de ter escapado do buraco!

– Por favor, fale baixo – ele pediu.

– Quando os chefes que estão responsáveis souberem, vocês vão ser mandados pra lá de novo!

– Ninguém vai saber se você não contar – eu intervi outra vez, dando um passo à frente. O bobo, que por algum motivo tinha certo medo de mim, também recuou um passo na soleira da porta. Na minha frente, bem discreto e sorrateiro, percebi que Dinter-Dim se aproveitou do desvio de atenção do irmão para levar uma das mãos às costas e dali puxar algo de um dos bolsinhos.

– Se eu não contar a ninguém, vou ser cúmplices de vocês – Púquel-Púcil afirmou.

– Mesmo que houvesse cumplicidade, só iriam saber se algum de nós contasse – eu insisti num tom persuasivo, tentando mantê-lo distraído –, mas nenhum de nós aqui vai fazer isso, pode acreditar em mim...

Porém, tudo que ele fazia era menear, negando-se a acreditar, e eu já tinha engolido em seco quantas vezes me era possível, pois era óbvio que eu não o convenceria do contrário.

Entretanto, assim que foi possível, olhei de soslaio para as costas de Dinter-Dim e vi que ele já estava segurando algo com as mãozinhas fechadas, só esperando para usar. Torci para que, seja lá o que fosse, ele usasse logo, pois naquele instante, Púquel-Púcil gritou alto e olhando para os lados do corredor:

– Eu não vou ser cúmplice... Onde estão só guardas? GUARDAS! GUARDAS!

Tinha que ser naquele instante. E foi.

Dinter-Dim avançou até o irmão e abriu a mão diante do rosto dele. Assoprou um pó amarelado em seu nariz sem que ele tivesse tempo de sequer reagir e então Púquel-Púcil recuou ofegando como quem estava prestes a espirrar. O bom foi que, enquanto ele agarrava o próprio pescoço tentando gritar, não saia voz nenhuma, o pó parecia ter tapado suas cordas vocais e sua boca estava aberta num berro mudo. Apressado e acenando para nós, Dinter-Dim nos pediu com urgência:

– Vamos rápido, saiam! O pó-de-mudo não vai calá-lo por muito tempo! Vamos!

Meio atordoados, Greg, Mabel e eu o obedecemos e deixamos o quarto para correr pelos corredores, mas, era tarde demais. Alguns dos soldados de vigia tinham ouvido os primeiros gritos de Púquel-Púcil e surgiram na extremidade oposta do corredor, buscando pelo motivo. Em dias comuns nós quatro não passaríamos de baderneiros correndo pelos corredores do castelo fora de hora, merecendo apenas alguns carões, mas com o clima de alerta do pós-ataque e os avisos constantes de que aquilo era proibido, os soldados com certeza entenderam os acenos desesperados de Púquel-Púcil a nos indicar como, no mínimo, algo muito suspeito.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Where stories live. Discover now