Na ponta da lâmina

139 29 11
                                    

Após uma longa caminhada para me distanciar o máximo possível daquele antro de loucura e achar alguma civilização onde eu pudesse localizar um telefone, meu pai me instruíra a procurar uma pensão ou hotel para esperá-lo, já que uma viagem do Texas até o Estado do Kansas não era das mais rápidas. E durante aquele meio tempo eu pude colocar minhas ideias em ordem e processar melhor as informações que não pareciam tão absurdas assim. 

Minha família nunca foi das mais religiosas, porém nunca nos consideramos ateus, embora fôssemos céticos quanto à maioria das pregações cristãs — dentre elas a existência de anjos e demônios, que agora estavam bem embaixo do meu nariz. Era aquele tipo de coisa que você ouvia no sermão da igreja, mas nunca pensava que realmente fosse verdade ou que um dia iria vê-los na sua frente.

E eu não sabia direito como lidar com aquilo no momento.

Quando ouvi uma batida na porta do quarto da humilde pensão de seis quartos que eu havia conseguido convencer a dona — uma idosa na faixa dos setenta anos, mas com aparência de uns mil — a deixar com que eu me hospedasse durante algumas horas com a promessa de que meu pai iria pagar depois. Eu sabia que o que viria a seguir seria embaraçoso. 

Assim que Gordon parou em minha frente, seus olhos claros se estreitaram segundos suficientes para eu saber que ele não falaria uma única palavra até que estivéssemos em casa. E foi exatamente o que aconteceu durante toda a viagem de volta enquanto o avião sobrevoava as planícies repletas de girassóis do Estado-Trigo. Meu pai não proferiu sequer um suspiro — aquela era a maneira que ele tinha de demonstrar o quão chateado estava.

Logo que chegamos, depois de uma noite que eu não consegui dormir devido ao silêncio gritante, meus pés mal passaram pela soleira da porta quando Brianna me lançou o olhar mais frio que eu já havia visto em seu rosto envelhecido pelas olheiras arroxeadas.

— Quase dois dias... — murmurou a morena. — Você quer explicar o que aconteceu antes que eu tire as minhas próprias conclusões?

— Mãe, eu... — parei de repente. O que eu iria dizer? A verdade? Estava fora de cogitação, além de meus pais não acreditarem, eu iria passar por mentirosa. Mas inventar alguma situação fora da realidade também não me ajudaria em nada, eu não sabia mentir para eles. — Eu não sei nem por onde começar... me desculpem. — suspirei por fim, percebendo o quão ridícula era minha condição no momento. Embora um banho rápido na pensão tivesse limpado a maior parte da sujeira, meu uniforme de trabalho estava amassado, com manchas de terra e cheiro de umidade, sem contar que ainda havia resíduos de sangue no tecido que eu nem saberia como explicar de onde saíram, caso fosse perguntado.

— Pelo menos não está tentando mentir, isso já é alguma coisa. — suspirou Gordon ao meu lado e eu tomei a liberdade de arrastar a cadeira o mais silenciosamente possível para me sentar. — Nós ficamos tão preocupados com você que fomos até a casa do seu chefe pela manhã e então ele nos contou que você havia simplesmente largado seu horário de trabalho. — alardeou e eu controlei o impulso de levar as mãos até a cabeça e gritar. A última coisa que eu queria era que eles pensassem que eu andava por aí de gandaia.

— Você tem ideia do quão irresponsável foi? — indagou minha mãe, o olhar repreensivo me queimando como um laser. — Onde você estava?

— Eu saí com uns amigos... — menti, não vendo outra opção. — Eu não estava pensando na hora... — murmurei quando alguns segundos de silêncio de estabeleceram exclusivamente para meus pedidos de desculpa e arrependimento.

— Esther! Você nunca está pensando nas consequências dos seus atos! Sumir sem avisar? Não pensou na gente por um minuto? — ralhou Brianna, as mãos batendo repentinamente na superfície da mesa me fizeram sobressaltar de repente. — E eu nem vou perguntar o que aconteceu, olha o seu estado, Esther! Está imunda! — ela grunhiu, colocando-se de pé e em três passos largos agarrou um envelope amarelo e o jogou em meu colo. — Agora pode me dizer o que é isso?

Supernatural: FobiaWhere stories live. Discover now