Minha vida nova

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  O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.  

Clarice Lispector

João

A volta da Melissa com meu filho, como esperava, mudou tudo. Não posso dizer que a minha vida será a mesma, sei que não. Ela trouxe vida, loucura, calor e muitos problemas, ainda assim é nela que penso antes de dormir e assim que acordo. Tudo me traz de novo aqueles olhos castanhos, tão vivos, tão verdadeiros. Tudo bem que só faz dois dias que minha nova vida começou, mas é tanto coisa acontecendo, é tanta vida em pouco tempo, que só me faz pensar nos anos frios em que vivi casado com Alícia, que me ignora por completo desde descobriu que a novidade, não posso reclamar disso, mas é mais um dos problemas que vou ter que resolver.

A Melissa arisca com o olhar cheio de tesão está em minha frente, com as mãos na cintura, batendo um dos pés no chão. Eu poderia rir com sua postura tão adolescente, mas na sala da minha mãe tem muitos objetos de decoração que ela pode atirar em mim, coisa que ela faria sem pestanejar. Estou tentando lidar com seu pavio curto. 

O motivo de todo esse embate épico, digno das epopeias gregas, é que insisto que devemos deixar as vigas expostas apenas na sala de seu novo apartamento e ela insiste que quer todas as vigas expostas, com exceção dos quartos e dos banheiros. Além disso, ela insiste que o verniz deve ser escuro, coisa que eu também não concordo.

- Como você não me disse que havia aquelas vigas? Ela pergunta indignada.

- Melissa, só descobrimos quando derrubamos todo o forro. Explico pela enésima vez.

- Que seja. Eu vou mudar o projeto.

- Não pode fazer isso, já compramos todo o material.

- Pois devolva. 

- Melissa, não seja infantil, você sabe que não posso fazer isso. Nós perderíamos muito tempo e dinheiro com essas mudanças de última hora.

- Que se foda. Eu não me importo, é a minha casa, meu sonho, quero que tudo fique perfeito. Ela fala quase gritando e ao mesmo tempo meio emocionada. E o que ela não me pede sorrindo que eu não chorando, é assim que se diz, né? Pois é, no meu caso.

- Está bem Mel, refaça o projeto que depois calculo os novos custos.

- Não me chame assim que não te dei intimidade.

- Claro que não Mel, você fez nosso filho com o dedo. Ironizo, sem nenhuma paciência, pensando em como a gente deveria estar fodendo agora e não discutindo sobre o teto do apartamento.

- Vai se foder! Ela disse enquanto saia rebolando escada acima. 

Respirei fundo e fui para a área da piscina brincar com os meninos e conversar um pouco com a minha mãe. Deixei-me cair ao lado dela numa espreguiçadeira, respirei fundo e observei os meninos com coletes brincando na parte rasa da piscina. Passava das cinco, mas o horário de verão deixava o dia quente. Por isso ela usava aquele vestido justo e curto, nem vou começar a dizer as coisas que pensei em fazer com ela, que ia ficar acabada e não abriria a boca para ser tão teimosa e irritante.

- João? Escutei a voz ao longe. - João? Minha mãe me chamou enquanto me tirava do transe encostando em meu braço.

- Desculpe mãe, estava distraído. Disse com um sorriso amarelo.

- Meu filho, está tudo bem? Vocês brigaram de novo?

- Quem brigou, mãe?

- Não se faça de besta, menino. Eu te pari.

Ironias do DesejoWhere stories live. Discover now