C A P I T U L O 9

608 89 19
                                    

   Após uma turbulenta noite repleta de insegurança com o desconhecido e checagens constantes em meu canivete escondido em meu travesseiro, pude assistir ao nascer do sol com vista privilegiada de minha janela. Recordei-me do porquê estar sozinha todos estes anos, pois confiar em um homem para passar mais de duas horas em minha casa fora o maior desafio de toda a minha vida. Luke parecia inofensivo, entretanto, arriscar nunca estivera em minha lista de coisas favoritas a se fazer.

   Era uma das manhãs mais quentes do ano e nem havia começado o dia direito. O calor costumava ativar meu mau humor de maneira imediata e eficaz, e Callie Mulligan transformava-se em uma bomba relógio prestes a explodir a qualquer momento, e talvez o mundo inteiro estava prestes a caminhar para um destino cheio de fogo e cinzas, graças ao meu catastrófico temperamento. 

   Café era a solução para todos os meus problemas, e não era um bom dia para trabalhar. Me resolveria com meu chefe no dia seguinte, ou, quem sabe, daria uma folga permanente a mim mesma e sairia pelo mundo procurando motivos o suficiente para ser chamada de louca. Me sentia louca, e era uma boa maneira de me sentir bem também. Nunca admirei a normalidade instalada em grande parte das pessoas, de qualquer forma. The Avett Brothers cantavam em minha mente, arrancando de mim um baixo cantarolar enquanto preparava um forte e puro café que me despertaria para a vida, pois a noite de sono fora lamentável para uma alma cansada e repleta de olheiras. Sequer me preocupei em verificar minha aparência, assim, Luke sairia correndo de minha casa ao olhar para meu rosto e o medo que eu o causaria o espantaria de minha vida para sempre. 

— Ouvi dizer que eles possuem as melhores vozes da Carolina do Norte. — Sou tirada de meu momento melódico de repente e, ao me virar, por instinto, jogo o bule de café no dono da voz que me assustara tão freneticamente, sem mesmo me lembrar da quantidade de água presente ali, impossibilitando-me de pensar no quão quente estava. O espanto em minha expressão aumentou com a rapidez que Luke se esquivou do bule, olhando-me indignado procurando por respostas em quaisquer gestos meus que entregassem a impulsividade de meus atos. — Você ficou maluca? 

— Céus, Luke. — Deposito minha mão em meu peito, apoiando-me no balcão em seguida. Ou talvez tenha sido na pia. O susto havia sido o ápice para mim, aquele dia definitivamente seria o pior. — Me assustou, havia me esquecido que tinha companhia. Me perdoe. — Me dou conta do que tinha feito e ando cuidadosamente até Luke, segurando seu rosto com as duas mãos para verificar se não havia o machucado. — Você simplesmente me assustou, me perdoe. — A sinceridade em minhas desculpas precisava ser o suficiente para que ele entendesse que naquela casa, minha única companhia era a música e meus próprios pensamentos. Mamãe não permanecia por muito tempo quando ainda morava aqui, e o comodismo que se instalara ali fora tudo o que havia me restado. Vejo-o fechar os olhos com meu toque e o suspiro intenso que soltou mostrou-me a reciprocidade do susto, e naquele momento, éramos apenas dois jovens perdidos no mundo, assustados com o nada e com medo de tudo. 

— Não se preocupe. —Ele abre os olhos e retira minhas mãos de seu rosto, as afagando em seguida.— Está cedo e cheguei de surpresa, entendo sua atitude, — entretanto, ele coça sua nuca e olha ao meu redor, finalmente entendendo os motivos para estar ali —, mas, quando for machucar alguém, faça algo melhor do que uma mera queimadura. — O deboche em sua voz arranca de mim um suspiro cansado, e só então percebo a proximidade entre nós. Dou poucos passos para trás e retiro um bule do armário, preparando-me para dispersar a tensão do ambiente com um bom chá, ou veneno. — Uau, Callie. Seu café deve ser de matar! — A empolgação em sua voz me irrita o suficiente para me virar e o apontar uma faca.

— Minha paciência está por um fio. — Faço contato visual tentando transmitir seriedade, pois, por algum motivo, estava prestes a cair em um mar de risadas.— Não me faça perder os escrúpulos, eu já não tenho muitos. — E para a minha surpresa, foi Luke quem explodiu em risos tão altos que fizeram meus olhos arregalar em espanto. Comecei o dia convicta de que era uma bomba relógio prestes a destruir tudo ao meu redor, sem notar que, a caixinha de surpresas estava logo a minha frente, rindo de algo que estava presente apenas em sua cabeça, logo, me fazendo largar a faca em cima da pia e o acompanhar. A situação era um tanto cômica para não desdenhar.

   Imaginei aquele dia como um dos piores de minha vida, e seu desenrolar mostrou-me que as chances eram grandes. Mas a companhia era boa o bastante para arrancar de mim risadas espontâneas, sem motivos aparentes e com direito à lágrimas e bochechas coradas. Naquele momento nem mesmo sabíamos do que estávamos rindo, mas a graça estava aí. Alguns minutos depois, tudo o que fizemos fora olhar um para o outro e analisarmos as próprias feições, investigando em nossos rostos fatores de nossos passados que eram capazes de nos acusar de coisas que nem sabíamos o que eram, mas que logo nos fariam rir novamente. 

Blood Hands (Concluído)Where stories live. Discover now