P R Ó L O G O

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   Olho para o espelho. Olho cada detalhe daquele rosto ali estampado. O rosto que me acompanha desde que me entendo por gente, desde que aprendi a enxergar, com modificações feitas pelo tempo. Questiono-me com Deus os motivos pelos quais olhar para aquele rosto me fazia sentir tanta repulsa, e logo em seguida, sinto repulsa por querer que Deus me escute. Ele nunca escutou, afinal. Tive as alarmantes chances de o suplicar e o dei a oportunidade de provar sua existência, com o bônus de o amar por me salvar de situações que esvaziaram as doses de dopamina contidas em meu cérebro. Ele não o fez, entretanto. Considero tais eventos como um grande castigo por ser uma menina má. Mas quando paro para pensar nas coisas erradas e nos possíveis pecados que cometi, demoro tempo demais para os encontrar. Nunca fui uma garota levada. Posso ver isso nos olhos verdes que encaro no espelho de meu quarto, acariciando em seguida minhas próprias bochechas rosadas e meu rosto extremamente pálido. Atraente, mas quebrada. Como um vaso destruído em uma briga.

   Analisar minhas feições e não saber mais quem sou seria um grande pecado a selecionar em minha lista, se não fosse pelo homem amarrado em uma cadeira logo atrás de mim, do lado esquerdo de minha cama. Talvez seja algo a se preocupar, tenho noção disso e muita convicção de que se Deus existir, eu não me juntarei a ele no final de minha vida. Não após o que pretendo fazer com o homem amarrado.

   Caminho até ele em passos lentos, encarando o galo em sua cabeça e sentindo cada gota de meu sangue ferver. Ajoelho-me em sua frente com a garantia de sua inconsciência e acaricio sua coxa esquerda lentamente com minhas unhas afiadas, pintadas em vermelho sangue. Era tudo o que eu precisava para finalmente aquietar minha alma gritante. A vingança é um prato que se come frio, até mesmo quando a comida esfriou tanto a ponto de estragar. Afinal, comida estragada para uma matéria estragada não modificaria muito. Tendo ao meu favor que, negativo com negativo vira positivo, eu estava prestes a tornar a negatividade da morte em uma garantia para a positividade de meu coração, adormecido com o tempo, pelas pessoas e principalmente, por ele.

— Meu bem, teremos uma longa viagem. Espero que esteja preparado. — E então, despejo um soco em seus órgãos genitais e me levanto, sentando-me em uma cadeira a sua frente e esperando para que acorde. Teríamos um longo tempo para resolver assuntos pendentes.

Blood Hands (Concluído)Where stories live. Discover now