C A P I T U L O 1

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   Estive pensando em motivos. Pelos quais o céu é azul, entretanto, sépia em seus grandes dias. Pelos quais o vento é frio, entretanto, quente em dias de ouro. Pelos quais os motivos são intrigantes, entretanto, tão vagos. Pelos quais a vida existe, entretanto, tão convidativa à morte. Pelos quais muitas coisas tendem a acontecer. Coisas que acontecem com pessoas. Pessoas que estão ligadas a outras pessoas. Outras pessoas que também fazem coisas, e o ciclo da vida é este, sem chance de mudanças. 

   Estive pensando também em como lidar com o que sinto em relação ao mundo, quando o carrego em minhas costas tão pequenas e frágeis. Parece que o mundo não é tão imenso, afinal. Só é pesado, pois carrega o fardo de possuir monstros. Estive pensando, por fim, se eu era um destes monstros. 

   Desde meus seis anos de idade, penso demais. Penso tanto em coisas deliberadamente inúteis que as necessárias ficam de lado, e a especialidade de Callie Mulligan era deixar coisas importantes de lado, sem ao menos notar que pessoas precisam de pessoas, e elas precisam de mim. 

— Eu te pedi apenas para repassar aquele pacote, Callie! — Holiday gritava de maneira exagerada, arrancando de mim suspiros cansados e distraídos, levando em conta que, sua voz já não era tão interessante assim. — Você sequer me ouve. Sou sua mãe. Precisa me respeitar — e Holiday também era minha mãe. 

— Estou cansada, mãe — disse calmamente, desesperadamente atônita a pôr um fim naquele diálogo —, mas posso entregá-lo, se quiser. Estava de saída de qualquer forma. 

— Não vai à lugar algum. Eu mesma entrego, garota inútil. — Ouço a porta da frente bater e sinto minha alma descarregar-se do peso que sua presença trazia para a minha casa. 

   Os dias na casa dos Mulligan eram repletos de silêncio, pensamentos e sujeira. Nas horas vagas, tínhamos Holiday Mulligan aproveitando-se de todo o dinheiro que pegara de sua filha para usar drogas ilícitas, a fim de esquecer-se da desgraça que trouxera a sua vida, a uns anos atrás, quando eu era apenas uma garotinha. Referindo-me a mim mesma, culpo a vida por tudo. Culpo a vida por ser capaz de causar reviravoltas tão esmagadoras que, por um acaso, me fizeram culpar minha mãe por traumas que, indiretamente, sabia ser sua culpa. A vida é uma vadia de qualquer maneira.

   O único momento do dia em que havia paz em minha residência, era o curto momento em que podia deitar-me em minha cama e olhar para o teto, para as estrelas ali pintadas, que observava até pegar no sono. Mas não estava com tanto sono naquele dia, naquela tarde ensolarada. Naquele específico dia, estava com raiva. Havia tido sonhos que repetiam-se em minhas mais escuras noites, e o mais trágico era o comodismo que estava virando. 

— Eu poderia ser uma maldita estrela, assim como vocês. — Conversei sozinha com as paredes de meu quarto e as estrelas que conhecia com cada canto de minha visão. 

   Para descarrego da alma, decido fazer o que tomava parte de meu tempo: masturbação. O maior tabu na sociedade feminina, mas a maior benção enviada por um Deus inexistente, que nos deu a capacidade de mover as mãos para lugares onde, com todo o cuidado e prática, poderiam nos levar ao céu. E o caminho de meus seios até minha barriga era lento e perigoso, tornando-se quase fatal ao chegar em minha peça íntima e logo após, dentro dela. O perigo e a adrenalina de estar em meu próprio paraíso eram como êxtase, especialmente quando meus dedos eram usados com uma força brutal em mim mesma, pois a dor me proporcionava um prazer imediato, perspicaz, animal. E a explosão de um orgasmo, cheio de amargura e dor, era o que movia a minha alma dolorida. 

   O sexo era a minha arma desde que fora usado contra mim, a treze anos atrás, em uma cozinha agonizante como o inferno e um homem com mãos ágeis e cruéis, que levara a única coisa boa que possuía em minha essência: a minha inocência. Desde então, estive convicta de que, nada mais restou após isto. 

— Você pagará cada gota de sangue tirada de mim. Eu prometo. — Ao soltar esta frase no ar, esperei que alguma força do universo a levasse para o monstro que violou-me tão cruelmente, sabendo que, iria o fazer pagar com cada átomo de seu corpo. 

Blood Hands (Concluído)Where stories live. Discover now