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Senti o gosto amargo da cafeina passar por minha boca, logo em seguida a sensação fumegante em minha garganta, por conta da temperatura da bebida. Em qualquer situação de tensão, você me encontraria com um café entre os dedos e mais inquieta que o normal.

Estava naquele avião havia alguns minutos, aparentemente algum passageiro havia se atrasado, o que me deixava ainda mais ansiosa. Esperar nunca foi o meu forte.

Olhei em volta, ao meu lado se encontrava uma mulher que eu presumia não ter mais que 50 anos. Estava concentrada em seu iPad, parecia completamente alheia ao que acontecia ao seu redor.

Constatei que quase todos ali estavam concentrados em eletrônicos e me perguntei o que fazíamos em aviões antes da internet e tanta tecnologia. Quer dizer, não que eu de fato fizesse algo além de dormir. Era inevitável, eu sempre dormia em vôos.

O homem que estava atrasando o vôo finalmente apareceu, me aliviando por um momento, mas então o formigamento em minha barriga reapareceu.

Eu realmente estava deixando meu país.

Cresci com milhões de inseguranças e posso afirmar que nunca fui o ser mais corajoso do mundo, sempre sonhei demais, senti demais e esperei demais. Mas para mim isso era algo essencial. Nunca entendi muito bem as pessoas que se privam de colocar seus sonhos lá no alto, com medo de se decepcionarem. Sempre fiz parte do time em que se acredita que se nossos sonhos e expectativas são "lá em cima", sempre teremos uma motivação para melhorar cada vez mais.

Apesar de sonhar alto, nunca esperei sair da Itália. Era completamente apaixonada pelo país, cada cidade com um toque profundo de história para contar, cada lugar exalava e berrava sua importância. Para amantes de história e filosofia como eu, a Itália era um paraíso a ser explorado, quase como um mundo à parte do nosso. Eu sentiria imensa saudade.

Quando o avião iniciou a decolagem, fechei os olhos com a esperança daquela sensação passar. Apesar de ser acostumada com viagens de avião, odiava o início, odiava essa sensação de que estava em um lugar em que eu não tinha o controle e não havia um equilíbrio ali. Aqueles minutos eram horríveis, mas eu sempre os aproveitava para fazer metáforas com as sensações que eu sentia.

Sorri lembrando que Paulo e Pjanić sempre ouviam atentos, após o avião estar estabilizado, todas as relações que eu fazia da sensação de decolagem com momentos da vida.

Céus, como sentiria falta deles.

Os dois tinham um lugar especial guardado em meu coração. Não tinha certeza se me acostumaria tão facilmente com o fato de não os ter no meu pé todos os dias, me arrancando as melhores risadas do mundo e trazendo sempre aquele sentimento de casa.

O nó se apertou em minha barriga quando o avião deu um solavanco, em seguida, toda a sensação sumiu. Estava a salvo dos momentos infernais.

Ao abrir os olhos, pude sentir o olhar da minha colega de assento queimando em minha pele. Dei um pequeno sorriso para mostrar que eu estava bem, e a mesma retribuiu parecendo aliviada. Era óbvio que ela pensava que eu ia desmaiar ou vomitar ali mesmo, todos achavam quando viajavam comigo. Sempre foi complicado explicar que eu não tenho medo de avião, e sim da decolagem.

Abri os olhos quando senti uma mão que tentava me despertar. Me dei conta de que o avião já estava completamente vazio, e ao olhar para a janela ao meu lado, constatei que já estava de noite.

- Chegamos em Madrid, senhora. - a aeromoça falou sorrindo.

Aquela simples frase revirou meu estômago.

Em alguns momentos o mundo te impressiona, te surpreende. Mas eu garanto que a sensação de ser surpreendida por você mesma é indescritível. Estava feliz por possuir a coragem de ter arriscado, de me permitir um recomeço.

EpiphanyWhere stories live. Discover now