Capítulo 32 - Os amores de Otávio

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Otávio percebeu pela primeira vez quando ele se machucou escalando uma árvore. Ele era ótimo escalador, mas ele calculou errado a passada e caiu do alto de uma laranjeira. Seu joelho estava sangrando demais, e para uma criança de 8 anos aquilo era como se estivesse morrendo de verdade. Ele não imaginava que morreria tão cedo. Mas ele viu uma pessoa se ajoelhar ao seu lado, com uma preocupação acima do normal.
-Otávio, você está bem? – perguntou o menino, olhando para o joelho ferido e fez uma careta em seguida.
-Está doendo muito, Leandro! – exclamou o mais novo.
-Não chore, senão vai ser apelidado de chorão quando estivermos no Exército. – riu Leandro, e ele pegou o pano que estava na mão e colocou em cima do joelho, e fez pressão com a mão. Otávio lhe olhou sem entender. – Me disseram que ajuda a parar o sangramento.
Otávio nem sabia se aquilo era realmente seguro ou higiênico, mas ele confiou em Leandro. Ele era seu amigo desde quando ele se entendia por ser humano, e ele, por ser mais alto, mais forte e mais velho, dava para o pequeno Otávio um senso de proteção que ele ainda não sentiu com ninguém. Leandro poderia estar falando a maior mentira do mundo, mas ele acreditaria sem vacilar.
E aquela sensação de bem estar e paz, mesmo com a dor, apareceu rápida e potente, sem ele nem notar. Era como se a queda tivesse tido um efeito bom, no fim das contas, pois ele estava sendo cuidado pelo seu melhor amigo. E Otávio deu um sorriso, sem perceber.
A segunda vez que sentiu foi quando Leandro deu a ideia maluca deles irem até uma despensa que ficava ao lado do banheiro feminino. Otávio tinha 12 anos e não entendeu nada o que o amigo quis fazer ali, pois o lugar era cheio de aranhas e tinha muita poeira, mas mesmo assim o seguiu. Quando ele entrou na despensa, percebeu que o lugar era menor do que ele lembrava, e quando Leandro entrou e fechou a porta, ficou ainda mais apertado.
Os meninos estavam quase colados um no outro, e Otávio conseguia sentir o cheiro do sabonete de Leandro, e deve ter feito alguma cara estranha, pois Leandro franziu a testa e perguntou:
-Estou fedendo? Você está me olhando de um jeito...
-Não é isso. – Otávio se apressou em responder, nervoso. – Eu não entendi porque estamos aqui.
-Eu vou te mostrar. – Leandro mostrou uma animação que Otávio nunca vira.
Leandro apontou para um buraco na parede que estava atrás de Otávio, e ele fez sinal para o menino olhar pelo buraco, e assim Otávio fez. E então ele viu o banheiro feminino, com várias garotas do orfanato, a diferença é que elas estavam peladas. O menino ficou extremamente envergonhado; seus colegas já falavam sobre garotas, e comentavam sobre as que eles achavam bonitas e as que queriam beijar, e Otávio não sentia um pingo de interesse em discutir sobre isso, e agora que viu seios desnudos e intimidades expostas, ele ficou com menos vontade ainda.
Ele não tinha coragem de falar para Leandro, mesmo ele sendo o seu melhor amigo, pois ele sabia que Leandro diria que ele era estranho ou algo assim. Mas ele se sentia estranho: por não perder horas do seu dia mexendo com garotas, ou querendo ver o que havia debaixo de suas saias e principalmente por já ter espiado Leandro trocar de roupa várias vezes. E achar isso mais interessante do que garotas com suas vergonhas de fora.
O medo se apoderou de Otávio, como se ele tivesse uma doença contagiosa que pudesse afastar todos que ele prezava, inclusive Leandro. Seu coração batia forte em seu peito, e uma tristeza avassaladora lhe fez querer sair correndo dali, mas isso seria suspeito demais. Ele tinha que esconder aquilo que ele sentia, for o que fosse, por Leandro. Era inominável e incompreensível para Otávio.
-E então? Gostou da surpresa? – perguntou Leandro, ansioso.
-Legal. – Otávio disse, sem muita animação.
-Sai da frente, deixa eu ver também. – eles trocaram de lugar, e devido ao espaço seus corpos se chocaram. Otávio não gostou nada de ver a felicidade de Leandro em mirar garotas sem roupa, mas não ia reclamar para ele.
A terceira vez que sentiu foi quando ele estava no telhado do orfanato. As estrelas eram suas únicas companhias. Ele já tinha 17 anos, e logo sairia dali, e isso lhe deixava ansioso, imaginando a vida que ele teria dali para frente. De preferência melhor do que a que ele vivia.
Otávio beijara algumas internas do orfanato, e até tentou fazer sexo com uma, mas na hora desistiu. Ele não conseguiria sentir nada por aquele corpo, então porque mentir e perder sua virgindade com alguém que não lhe merecia? Mas ele fazia isso para poder esconder o que ele sentia a anos por Leandro. Ele entendeu que era um sentimento forte e impossível, pois Leandro só sentia uma forte amizade por Otávio, além de namorar uma interna a alguns anos. Leandro jurava que casaria com ela, mas Otávio sabia que no momento que o amigo pisasse o pé fora do orfanato ele esqueceria até o nome dela.
Leandro assobiou para Otávio, que lhe deu um sorriso e chamou-o para vir até o telhado. Era comum que eles ficassem ali juntos, e ficassem contando as estrelas, uma maneira de ver o dia seguinte chegar mais rápido, o que significava menos um dia ali. Eles já tinham combinado que se alistariam juntos, e nunca iriam se separar.
-Olhando as estrelas sem mim? – perguntou Leandro, deitando-se no telhado. – Agora eu me senti traído.
-Não seja bobo. – riu Otávio. – Apenas precisava pensar. Sozinho.
-Pensando no seu amor misterioso? – provocou Leandro, e viu Otávio dar um sorriso nervoso. – Sei que pensa em alguém, eu te observo a anos, sempre muito pensativo, parece uma andorinha ferida, sem poder voar.
-Não fale asneiras. – Otávio olhou para baixo. – Não penso em ninguém.
-Otávio, sou seu melhor amigo. – Leandro se aproximou do rapaz e tocou seu queixo, fazendo Otávio lhe olhar. – Pode confiar em mim. Independentemente de quem for, terá meu apoio.
E Otávio, sem muito pensar, deu um beijo em Leandro, segurando na bochecha de rapaz. Os lábios do mais velho eram bem mais suculentos do que ele sonhara, e ele sentia seu peito cheio, completo. Era verdade, aquele sentimento não era loucura nem devaneio seu.
Ele retrocedeu e viu Leandro de olhos fechados, com um sorriso na boca. Otávio estava delirando?
-Eu sabia. – o sorriso de Leandro cresceu, e Otávio estava mais perto do céu do que já estava. – Sempre soube.
-E o que isso significa para você? – perguntou Otávio, inseguro de estar sendo tolo.
-Significa que estamos juntos nessa. – Leandro disse, tomando os lábios de Otávio para si.
E o major lembrava desses momentos com ternura, pensando na primeira vez que ele se sentiu feliz de verdade. Ele não gostava de lembrar do momento que viu seu melhor amigo e primeiro amor suspenso e sem vida, mas de todos os momentos que vivera com ele. Leandro não era um fantasma ou concorrente para Luccino, e sim um parceiro nos anos mais ternos da vida de Otávio.
E ao pensar em Luccino, Major Otávio olhou para o lado, vendo o soldado dormindo tranquilo em sua cama, e Otávio pensou em como ele era sortudo. Tantas pessoas passam pela vida sem conhecer o amor, e ele já amou duas vezes, ainda tão jovem. Otávio deslizou seus dedos pelo rosto do adormecido Luccino, como se ele não fosse real, como se sua imaginação fosse tátil, mas o major sabia que ele era real. E que Luccino seria seu destino, sua sina e seu fim.

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