Capítulo 7 - O que o amor me faz

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Já que agora Lídia não podia mais ir visitar seu amado no quartel, Luccino e Ernesto ajudavam Randolfo a ir ver Lídia na casa dos Benedito. Eles auxiliavam o enfermo a descer as escadas do quartel sem que ele tocasse a perna quebrada no chão, e pediam a charrete de Major Otávio emprestada para não precisarem ir a pé. Luccino agradecia por estar em um melhor momento com seu major, pois ele sempre aceitava emprestar.

-Ainda quero saber desses beijos trocados entre você e Lídia Benedito. Me parece ser uma história bem engraçada. – disse Otávio certa vez, enquanto lia em seu gabinete Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.

Luccino e Ernesto ainda riam da vez que Luccino e Otávio pegaram Lídia e Randolfo num momento bem íntimo, sempre deixando o amigo muito constrangido. Ele dizia que eles apenas faziam isso, pois Lídia queria manter-se pura para poder casar-se na igreja, como todas as suas irmãs.

-Ah, agora entendo porque Randolfo sofre tanto que o casamento dele só será daqui a alguns meses. – brincou Ernesto. – Ele quer logo desfrutar das alegrias do casamento!

Nas outras vezes Ernesto e Luccino levavam seu amigo até a sala, deixava ele e Lídia a sós enquanto conversavam com Dona Ofélia e Seu Felisberto, pais de Lídia, e comia dos quitutes que a senhora fazia, e antes do almoço retornavam para o quartel. Mas hoje eles apenas deixaram Randolfo na sala da casa de Lídia, pois Ernesto disse que queria tomar um banho de cachoeira. Era um pouco distante, mas valia a pena, pois a água era gostosa e era um belo lugar para desfrutar da natureza.

E em alguns minutos eles chegaram à cachoeira. Luccino tinha boas memórias dali: ele sempre foi muito amigo das irmãs Benedito, então ele e as meninas iam banhar na cachoeira sempre, faziam piqueniques e conversavam sobre seus planos para o futuro. Luccino nunca quis muito, pois ele apenas desejava ser feliz, da maneira que fosse, com quem quer que fosse. Até Jane, a mais romântica de todas as irmãs Benedito, achava Luccino muito romântico para um rapaz.

Ele realmente não se via enquadrado aos rapazes que ele conhecia, que cortejavam as moças da cidade e, após alguns beijos trocados, descartavam as mesmas, como se nunca tivesse as conhecido. Não. Quando Luccino conhecesse alguém que realmente lhe interessasse, ele faria tudo certinho. Iria pedir para os pais lhe darem o direito de cortejar a pessoa, faria juras de amor enquanto acariciava e beijava a sua mão, levaria para longas caminhadas, perguntando sobre coisas da sua vida, até finalmente roubar um beijo apaixonado no fim do dia. Sim, Luccino queria uma épica história de amor, e um dia ele a teria.

-Acorda, Luccino! – Ernesto exclamou, balançando o amigo. – Olha quem também está aqui.

Luccino olhou para o outro lado da cachoeira e estavam Elisabeta Benedito e Ema. Elas conversavam e comiam maçãs e uvas, que estavam dentro de uma cesta. Elas ainda não tinham notado a presença dos rapazes, e para Luccino isso não era nada demais.

-Sim, Ernesto, Elisabeta é uma das melhores amigas de Ema, todo mundo sabe disso. – disse Luccino, não entendendo a inquietação de Ernesto. – E daí?

-E daí, carcamano, que ainda estou tentando que Ema saia comigo, e não quero que ela me veja em trajes de banho antes dela aceitar. – respondeu Ernesto, irritado, e isso deixou Luccino ainda mais confuso.

-Não sabia que você dava tanta importância para Ema, afinal ela nunca lhe tratou bem. – disse Luccino, e então ele deu um sorriso. – Ora, ora, Ernesto, então realmente sente algo por Ema Cavalcante.

-Não fale assim, como se fosse algo para se comemorar.

-Ah, mas é sim! – disse Luccino, colocando as mãos nos ombros de Ernesto. – E como sou um ótimo amigo, irei conseguir esse encontro para você. – E sem avisar Ernesto, Luccino virou-se em direção aonde as moças estavam e gritou: - Elisabeta, Ema, olá! – ele balançou a mão, com um sorriso no rosto.

-Luccino, Ernesto, que surpresa! – exclamou Elisabeta. Ema cochichou algo para Elisabeta, que parece ter falado algo que a moça não gostou, pois Ema virou de costas para Elisabeta e cruzou os braços, emburrada. – Querem se juntar conosco ao nosso piquenique? Faríamos muito gosto.

-Claramente Ema não faz gosto. – sussurrou Ernesto.

-Cala a boca e aceita o convite. – Luccino disse para Ernesto, sem tirar o sorriso do rosto. E aumentou a voz para responder a Elisabeta: - Certo, Elisabeta, estamos indo.

Luccino e Ernesto seguiram o caminho no entorno da cachoeira, até chegar no local que as moças estavam. Elisabeta estava com seu habitual vestido vermelho e estava com o cabelo preso em um coque devido ao calor, e Ema estava com um vestido floral, e balançava seu leque rapidamente em frente ao seu rosto (Luccino conseguia ouvir Ema falar que nunca amarraria seu cabelo mesmo com o calor que estava agora; "seria deselegante uma dama ser vista de tal maneira por um cavalheiro", diria Ema).

Luccino e Elisabeta conversavam sobre o livro que a moça estava produzindo, sobre histórias interessantes do Vale do Café, e ela disse que seria uma boa ideia também fazer menções ao quartel do Vale.

-Se tiver que mencionar o soldado mais forte e íntegro de todos do batalhão, esse com certeza será Ernesto. – disse Luccino, dando um tapinha nas costas do amigo.

-E o mais brutamontes também. – completou Ema.

-Ema, você está sendo injusta. – disse Elisabeta. – Você mal conhece Ernesto, não pode supor coisas dele.

-Exato. Ema, eu te conheço desde sempre, e sei que você tem ideias fortes sobre as pessoas, mas tudo o que fala sobre meu amigo é substancial. – Luccino balançou a cabeça, reforçando seu discurso. – E só conheceria Ernesto de verdade se vocês tivessem um encontro. – Luccino deu um sorriso, como toque final da sua proposta.

Elisabeta riu ao ver a expressão de revolta na face de Ema.

-Luccino, o que significa isso? Uma emboscada, um complô? – perguntou Ema, com uma voz aguda. – Vocês ao menos se perguntaram se eu quero conhecer seu amigo?

-Pois agora quem não quer lhe conhecer, senhorita, sou eu! – exclamou Ernesto.

Ernesto tirou sua camisa e sua calça (Ema tampou os olhos e começou a gritar "Que deselegante!" a essa altura) e se jogou do rochedo que estava, até cair na água. Luccino sabia que precisava conversar com o seu esquentado amigo, ou ele estragaria para sempre suas chances com Ema, então ele pediu desculpas para as amigas, tirou suas vestes e se jogou também.

A água estava muito gelada, mas Luccino gostava assim, pois lhe dava energia. Ele viu que Ernesto estava um pouco mais a frente dele, então continuou a nadar, tentando não emergir, indo o mais rápido possível para chegar até o soldado. Por segundos ele pensou que fazia alguns meses que não nadava naquela cachoeira, e como isso lhe fazia falta, mas ele não sabia com quem compartilhar aquele lugar. Ali ele gostava de ficar com Mariana, mas agora ela era mãe, não poderia sair com ele o tempo todo, ainda mais sem seus filhos. A última vez que Luccino estivera lá foi sozinho, e ele não gostou da sensação de solidão.

Luccino estava chegando perto da beirada, isso significava que Ernesto saiu da água, então ele se emergiu e se levantou, para ir atrás do amigo. Mas havia alguém em seu caminho, com uma cavada camisa azul marinho e um curto short de banho.

-Não sabia que aqui era tão frequentado, ainda mais em uma manhã de quarta-feira. – disse Major Otávio. 

EncantoWhere stories live. Discover now