Capítulo 3: Jantar

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- Na verdade não. Ela já está dando trabalho há algum tempo e tenho medo de que ela, sei lá, exploda sobre a minha cabeça ou algo do tipo qualquer dia desses.

- Certo. - Suspirou ele, e virando-se para esposa, perguntou. - Tudo bem pra você se eu deixá-la em casa e vir aqui novamente?

- Não se preocupe com isso, amor. Eu posso ir sozinha. Afinal, não tem como me perder.

- Você tem certeza? Não me incomodaria. Está um tanto escuro lá fora.

- Não seja bobo. Sou grandinha demais para ter medo do escuro - Plantou um beijo rápido em seus lábios. - Vou estar te esperando na nossa cama. - Sussurrou em seu ouvido, aproveitando que a sogra estava na cozinha, guardando as coisas.

Ele lhe devolveu um sorriso sacana que fez as entranhas de Alyssa se contorcerem em expectativa.

- Então é melhor eu me apressar. - Sussurrou ele de volta e roubou mais um beijo antes de subir as escadas.

Despedindo-se da sogra, Alyssa saiu caminhando vagarosamente até sua nova casa.

No escuro, pôde notar que ali haviam algumas macieiras já carregadas de frutos. Ouviu ruídos de animais no celeiro e o coaxar de um sapo no pequeno lago há alguns metros. O céu estava absurdamente estrelado, e um vento quente a fazia ter vontade de pular na água e fazer companhia ao sapo.

Aquele lugar a fazia lembrar de sua infância na fazenda de seus avós. Não era incomum encontrá-la nadando no pequeno riacho da propriedade, escalando árvores frutíferas ou conversando com os animais do curral.

Eram tempos felizes, e a simples lembrança de um tempo onde tudo era mais leve fazia seu coração se apertar. Um tempo que acabou de forma grotesca após o falecimento da avó por pneumonia e o suicídio do avô logo em seguida por coração partido.

Alyssa era ainda muito jovem quando tudo aconteceu, mas quando lhe foi revelada a verdade durante a adolescência, não pôde deixar de sentir um pouco de inveja da avó. A ideia de que alguém fosse capaz de tirar a própria vida por não conseguir viver em um mundo sem a sua presença lhe soava morbidamente romântica. Claro que tinha consciência de que seria julgada por esse tipo de pensamento, então guardava para si própria e imaginava se algum dia encontraria alguém com quem pudesse dividir a vida e, posteriormente, a morte.

Havia um soneto de uma das poetisas favoritas de minha avó, Elizabeth Barrett Browning, que ela fazia questão de recitar toda vez que conversávamos sobre o amor.

Como te amo? Deixa-me contar de quantas maneiras.
Amo-te até ao mais fundo, ao mais amplo e ao mais alto
que a minha alma pode alcançar
buscando, para além do visível dos limites
do Ser e da Graça ideal.
Amo-te até às mais ínfimas necessidades de todos
os dias à luz do sol e à luz das velas.
Amo-te com liberdade, enquanto os homens lutam pela Justiça;
Amo-te com pureza, enquanto se afastam da lisonja.
Amo-te com a paixão das minhas velhas mágoas
e com a fé da minha infância.
Amo-te com um amor que me parecia perdido - quando
perdi os meus santos - amo-te com o fôlego, os
sorrisos, as lágrimas de toda a minha vida!
E, se Deus quiser, amar-te-ei melhor depois da morte.

Nunca o havia compreendido muito bem. Depois do ocorrido, as linhas ficaram um pouco mais claras na mente da mulher, mas ainda seu real significado permanecia oculto ao seu coração.

Ainda assim, não podia deixar de imaginar como seria. "Será Jimmy essa pessoa?", começou a pensar, inquieta.

Enfim, a fazenda foi vendida e, mesmo se quisesse, não poderia voltar a visita-la; um grande edifício comercial fora construído sobre o local e enterrara tudo, árvores, casarão, curral e lembranças.

Parou um pouco, voltando-se para trás e admirando mais uma vez a casa da qual acabara de sair.

Haviam apenas duas luzes acesas, a da sala de jantar e a de um único cômodo parecido com um sótão rente ao telhado.

Alyssa estranhou. Por que a luz de um sótão tanto incomodava Brenda? Duvidava que idosos frequentavam sótãos com tanta frequência para se importar com esse tipo de coisa.

Foi quando percebeu que a mesma não falhava, como era o esperado. Aparentemente, funcionava de forma perfeita.

Apesar de intrigada, resolveu deixar para lá. No mínimo, Jimmy devia ter ido buscar uma ferramenta qualquer.

Com o sono se manifestando com maior intensidade, a mulher virou-se e continuou seu caminho até a casa amarela.

A casa de Jimmy.

E, agora, sua casa.

Doce InocênciaWhere stories live. Discover now