– "Não tinha ninguém". Logo hoje, segunda-feira, o dia mais movimentado da semana. Dia da reunião semanal dos funcionários.
– Chefe, a agência estava vazia. Se está duvidando, porque não telefona para lá?
– Desta vez você teve uma boa ideia. – Concordou Ernesto, tomando o fone à mão e discando. – Olá, gostaria de falar com Inês, minha gerente de conta. É Dr. Ernesto quem está falando.
Enquanto falava, o doutor olhava para Pedro com profunda decepção. Logo veio a resposta da telefonista, dizendo que a equipe toda se encontrava em reunião com o gerente.
– Você dormiu! Dormiu a ponto de sonhar! – Finalizou Ernesto, batendo o fone no aparelho e saindo do laboratório.
Os garotos ficaram atordoados, apenas trocavam olhares de interrogação. Pedro sentia-se injustiçado, ofegava. Retirou o celular do bolso, apontou a câmera para os painéis de Katetiras e passou a fotografar.
– Meu, o que você está fazendo? Ficou louco? – Disse Ramon. Amália, nas pontas dos pés, foi até a porta entreaberta, conferir se o chefe retornava. Patrick não movia um músculo.
– Foda-se o doutor! Eu sei o que fiz e o que vi. Desta vez, eu não dormi! – Exclamou um Pedro determinado, com a voz firme como as mãos que fotografavam.
– O doutor ficou bem irritado! Até parecia que estava brigando comigo! – Disse Patrick. – Pedro, por que você não assumiu que tirou um cochilo? Digo, não que você tenha mesmo dormido, era só para o chefe não ficar tão zangado.
– De que adianta treinar e fazer tudo certo – protestava Pedro, concluindo as fotografias – se a gente não é valorizado? Tô de saco cheio, não tem dinheiro que compense.
– Pedro, Dinho, fique calmo. Esfrie a cabeça para não fazer besteira. – Pedia Amália. Ramon concordava com os colegas.
Naquele momento, doutor Ernesto voltou ao laboratório.
– Desliguem tudo e deem uma ordem aqui no recinto. Pedro, a casa precisa de uma boa varrida. Depois, passe um pano com água...
O rapaz saiu do laboratório sem esconder a revolta. O chefe ainda o chamou, mas não foi correspondido. Os demais, com a devida cautela, revelaram o que Pedro estava sentindo e alertaram da possibilidade de ele retornar para São Paulo.
– Pois que vá! – Respondeu Ernesto. – Isso que dá querer ajudar pirralhos. – Concluiu, sem se importar com o resto da equipe, que dispensou sem cobrar o serviço pedido há pouco.
O trio encontrou Pedro caminhando apressado na estrada de chão batido. Amália parou o carro, mas o rapaz relutou.
– É muito chão, Dinho. Deixa de ser chato e entra aí. – Pediu a moça, no que foi atendida.
Rodaram sem dizer uma só palavra até chegarem à zona urbana. Pedro quebrou o silêncio, indignado com o chefe.
– Eu não dormi, nem sonhei.
Ramon e Amália, aos poucos, foram tomando o partido de Patrick, convencidos de que o amigo havia, sim, cochilado. Pedro ficou ainda mais indignado ao ver que o grupo estava contra.
– Se acham isso, vamos passar lá no banco, então. E veremos de uma vez por todas quem está dizendo a verdade. – Desafiou Pedro.
Amália conduziu o veículo até o estabelecimento. Mal se aproximaram e já era possível concluir que estava aberto, por conta das pessoas entrando e saindo. Estacionaram próximo, desceram do veículo e foram até lá. Pedro conversou com o guarda, o qual afirmou que a agência tinha acabado de abrir.
– Estão vendo só? Acabou de abrir, então não tinha ninguém antes. – Concluiu Pedro.
– Os funcionários já estavam aqui. Eles chegam antes da abertura da agência. Ainda mais hoje, que tem a reunião semanal. – explicou o vigia. – Vocês queriam falar com algum deles?
Pedro ficou sem ação, os outros nada falaram. O jovem agradeceu ao vigia e saiu, seguido pelos demais. Agora, ele não mais demonstrava revolta, e sim frustração, pois o chefe estava certo. Houve silêncio até já estarem perto de casa.
– Meu, tudo foi tão claro quanto das outras vezes! – Falava, inconformado. – Como é possível ter sido um sonho? A diferença é gritante.
– E agora, o que você vai fazer? – Perguntou Amália.
A resposta só veio quando chegaram no prédio.
– Bem, acabo de ser derrotado pelos fatos. Lancei o desafio e me dei mal. Para mim não foi sonho, mas tudo prova o contrário: o monitoramento do doutor, a agência em funcionamento, a ausência do carrinho de cachorro quente, o vigia...
– O que tem o vigia? – Quis saber Patrick.
– Não era o mesmo que vi na PC. Esse aí é grandão, o que vi na PC era magro de cabeça raspada. Aliás, acho que nem posso chamar de PC, né.
O grupo ficou em frente ao Zaneraro, em silêncio por alguns instantes. Ninguém arriscou palavras de conforto a Pedro, temendo um efeito inverso.
– Bem, acho que é isso. – Disse Pedro. – Ficaria muito grato se vocês pudessem dar um jeito nas minhas coisas. Não vou levar nada comigo, nem o carro.
Os três se olharam, queriam ajudar no pedido, mas, ao mesmo tempo, desejando que o amigo ficasse.
– Vou subir e comprar as passagens. E, como ninguém se manifestou: Patrick, fica com as chaves?
Patrick respondeu que sim, com a voz baixa etriste. Pedro agradeceu e subiu as escadarias.
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Katetiras
General FictionUma insistente oferta de emprego, ainda que obscura, faz Pedro viajar até Uruans, no sul catarinense. Ele é recebido pelo cientista Ernesto Libretto. O emprego: testar uma máquina que, segundo o doutor, potencializa o fenômeno da projeção de consciê...
Capítulo 17
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