São Paulo, manhã de março de 2001. Muitos já seguiam para o trabalho, ao passo que outros, chegavam em casa após a jornada noturna. No bairro São Miguel não era diferente.
– Bom dia, dona Lourdes.
– Bom dia, Nilton. O Dinho já está pronto para a escola, tomou café e tudo. Trabalhou muito?
– Nem me fale, estou morto!
– Olha ele aí! Está bocejando direto, mas não entendo por quê. Foi para a cama cedo e dormiu a noite inteira. Só se ele sonhou. Na outra vez (que ele acordou chorando, lembra?) contou que tinha sonhado ruim, com braços, pernas, cabeças... tadinho! – Explicou dona Lourdes, dando um beijo no menino e entregando-o ao pai. – Vai com Deus, filho, e dá um abraço na mãe, viu? Ah, Nilton, se precisar que eu fique com ele de novo, é só falar. É um amor de criança!
– Valeu, dona Lourdes. Muito obrigado. Vamos, moleque! A mãe já deve ter chegado.
Pai e filho caminharam por duzentos metros até em casa onde Tânia, de fato, já se encontrava. Era uma construção de alvenaria com um estreito quintal no lado esquerdo. A outra lateral dividia parede com a casa ao lado, tal como os fundos o faziam contra um sobrado.
– Bom dia, amores. – Cumprimentou a mulher, dando um beijo em cada um. – Está muito cansado?
– Meu, bastante! Mas é só dormir algumas horas para ficar inteirão de novo. E você, como foi de plantão?
– A correria de sempre, muitos acidentados, a maioria motoboys. Quer que eu leve ele até a van?
– Se puder... Mas, se estiver muito cansada, deixa que eu levo.
– Tudo bem. Ele já comeu? A dona Lourdes te deu café, meu amor?
– Já. – Respondeu o garoto, olhando para a sala. – A tia Deia ainda tá dormindo?
Tânia olhou para Nilton, sem entender. O homem olhou de volta, demonstrando surpresa. Ela falou ao filho:
– Amor, a tia Deia só vem te visitar sábado.
– Não, ela veio ontem e dormiu onde a mãe dorme, perto do pai.
– Ô moleque! O que é que você está falando, heim? Respeito, senão te bato e ponho de castigo! – Advertiu Nilton, bravo.
– Isso é jeito de falar com o menino? Só tem cinco anos, deve ter sonhado. Seu grosso! Vamos, amor. A mamãe te leva até a van. – Disse Tânia, conduzindo o menino, que choraria baixinho até chegar no veículo escolar.
Ela se despediu do filho. Em oito minutos estaria novamente em casa, onde pretendia continuar a conversa com o marido. Mas, assim que chegou, viu que ele já estava dormindo. Não tinha nem se alimentado, tratou de tomar um banho rápido e se esconder da iminente discussão, atrás de um ronco nada convincente.
– Nilton, eu sei que você está acordado. – Começou Tânia. O marido insistiu na farsa.
– Anda, Nilton. Quero conversar.
O homem continuava imóvel. Em vão, já que a expressão na face deixava claro estar fingindo.
– Por que o Dinho falou que a Deia estava aqui? Ela esteve aqui?
– Porque deve ter sonhado, como você mesmo falou. – Respondeu, enfim, Nilton, agora simulando uma voz cansada. – Deixa eu dormir, vai...
– Quem sabe seja mesmo isso. Espero que não volte a ter pesadelos. – Disse a mulher, como a buscar algo no marido, depois no quarto.
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Katetiras
General FictionUma insistente oferta de emprego, ainda que obscura, faz Pedro viajar até Uruans, no sul catarinense. Ele é recebido pelo cientista Ernesto Libretto. O emprego: testar uma máquina que, segundo o doutor, potencializa o fenômeno da projeção de consciê...