Pedro e os demais ouviam com atenção Dr. Ernesto que, de completo estranho, passou a ser como se fosse alguém próximo, amigo das famílias. Sabia detalhes de algo vivido há coisa de quinze anos.

– Mas que tipo de trabalho quer fazer com a gente, aqui? – Quis saber Ramon.

– E quanto vai nos pagar? – Ousou Patrick.

– Acho que já deu para perceber que pretendo pesquisar sobre essa habilidade de projeção de consciência. Na verdade, minha pesquisa já é bem adiantada e, por isso, tenho que tomar algumas precauções. – Foi falando o senhor, enquanto abria a pasta de elásticos.

– Tenho um contrato para cada um de vocês. Nele está previsto o compromisso de manter sob o mais absoluto sigilo tudo o que virem aqui. Não estabeleço uma jornada rígida de trabalho, mas, às vezes, vou precisar que me auxiliem em horários inconvenientes, como de madrugada, fins de semana e feriados (podem deixar que não haverá exploração). Inicialmente trabalharemos à noite, a partir das oito é um bom horário. E o mais importante: uma vez assinado este contrato, vocês farão parte da equipe de trabalho do Dr. Ernesto Barra Teles Libretto, a quem deverão lealdade por tudo o que testemunharão nestas dependências. Perguntas?

Pedro insistiu:

– Vou ser sincero, não tenho essa habilidade, doutor.

– Tem sim, só precisa desenferrujar. – Incentivou Ernesto. – Aproveitando a deixa, e os demais, como estão?

– Dou minhas voltas quando quero – respondeu Ramon. – Mas não tem lá muita graça, diminuí bastante.

– Eu saio quando quero. – Disse com segurança Amália. – Posso fazer agora mesmo...

– Deixemos para o trabalho, senhorita. – Pediu Ernesto, animado. – E você, Patrick?

– Sim... sim, eu posso... tranquilo. – Respondeu o rapaz, com certa insegurança.

Ernesto ia tomar a palavra novamente, mas Patrick ergueu a mão:

– E quanto vai nos pagar? – Reiterou.

– Ah, claro (cabeça a minha!). Dez salários mínimos...

"Divididos por quatro dá dois salários e meio para cada um. É hora de dizer tchau", pensou Pedro, deixando transparecer.

– ...Para cada um – completou Dr. Ernesto.

– Para cada um? – Repetiu, incrédulo, Ramon.

– Meu, isso dá... caracas! – Falou Patrick, igualmente surpreso.

Amália foi a única a manter a compostura.

– É bem interessante. Mas durante quanto tempo? E quanto aos direitos trabalhistas?

– (Adoro gente desconfiada) Garantido por alguns meses. Eu diria pelo menos um ano, com carteira assinada. E, como prova de minhas melhores intenções, pago o primeiro mês adiantado. O que me dizem?

O quarteto ficou em silêncio, olhando para o contrato.

– Leiam com calma. Eu já volto. – Disse o doutor, saindo da sala de reuniões.

– E aí? – Provocou Amália, quase sussurrando. – O que vocês acham? Será que dá para confiar?

– Complicado – falou Pedro – porque eu teria que telefonar lá para o trabalho avisando que não voltarei mais. E teria que ir à São Paulo assinar a rescisão.

– Meu, se liga. – Falou Patrick. – Não ouviu, não? São dez salários! E o custo de vida, e a distância de casa até o trabalho. Meu, são dez salários! Nunca pensei que ganharia tanto na vida. Só vou ligar lá no restaurante e deu pra bola, já que não assinaram minha carteira de trabalho até hoje.

– Tenho carteira assinada, mas o trabalho é uma bosta. – Ponderou Ramon. – E dez salários... e sem concorrência entre a gente. Cara, acho que não dá para perder uma oportunidade dessas.

– Mas a gente nem sabe ao certo o que vai fazer. – Salientou Amália.

– E daí? Logo vamos saber. – Ponderava Ramon. – Ele ainda não chegou neste detalhe. Vamos pedir que adiante o assunto e "bora" assinar este contrato antes que outros o façam. Se não agradar, pt saudações. E, quando falo "se não agradar", é tipo "ser cobaia do Dr. Frankenstein". De resto, topo até injeção na baga do olho.

Os quatro, então, leram o não muito extenso documento, que tratava, em suma, do sigilo já mencionado pelo doutor. Puderam verificar que o teor era o mesmo para os quatro contratos. Sem obstáculos, portanto. A decisão dependia apenas de se saber qual seria o trabalho.

Ao retornar, Ernesto começou explicando que seriam assistentes...

– ...Me ajudarão a manter isso tudo organizado, farão a manutenção (não se preocupem, ensinarei tudo). Talvez precise que alguém vá no centro fazer compras, pagamentos, enfim... Mas o melhor vem agora. Vamos até o piso superior.

Os jovens acompanharam doutor Ernesto por uma escada até uma porta, que ele abriu. Parecia uma grande oficina eletrônica, com equipamentos esquisitos fechados em carcaças de alumínio e arrebites, e muitos botões, redondos, quadrados, como os usados em aparelhos de som dos anos oitenta. Também havia muitos fios coloridos ligando umas máquinas às outras, todas faltando uma tampa na parte de trás. O que mais se destacava, porém, era uma espécie de maca, debaixo de um equipamento que mais lembrava um aparelho de raio-x, com uma peça cilíndrica grande suspensa logo acima da cabeceira. Simultaneamente os quatro lembraram da menção de Ramon ao monstro do Moderno Prometeu. Era o "não agradar", ou seja, deveriam dar meia volta e correr o quanto pudessem. Mas era, também, algo bem curioso. O que fazia aquele velho com tantos apetrechos eletrônicos, naquele lugar afastado e oferecendo dez salários para guris desconhecidos?

– É só até onde posso ir sem sua assinatura nos contratos. Daqui para frente, é confidencial. – Declarou Ernesto, sacando uma esferográfica do bolso do paletó, aguardando que alguém a tomasse. Houve silêncio, ninguém se prontificou. Mas, desta vez, Ernesto não insistiu. Estava claro, com tal gesto, que era o momento decisivo. O silêncio, todavia, insistia em permanecer.

– Foda-se! – Disse Ramon, pegando a caneta da mão do doutor e assinando o contrato em seguida.

– Assim é que se fala, rapaz! – Comemorou Ernesto. Os demais riram, porque o doutor parecia estar se referindo ao "foda-se", em vez de à decisão positiva de Ramon. Com isso a tensão se dissipou, e os quatro assinaram os contratos e os entregaram ao doutor Ernesto.

– Amanhã vocês terão algumas coisas a resolver antes de virem para cá, à noite. – Disse Ernesto, agora como chefe. – Primeiro, terão de registrar suas assinaturas no cartório, para validar estes contratos. Segundo, indicarei um prédio com apartamentos disponíveis para aluguel. E, terceiro, preciso que tenham seus próprios carros. Na saída sul, indo para Urussanga, tem a garagem de um conhecido meu, Marcinho Automóveis. Digam que eu o indiquei e sairão dirigindo, em condições bem módicas. – Orientou o doutor. E continuou:

– Sugiro que comecem a resolver estas questõeshoje mesmo, pois o trabalho só começa amanhã à noite. Vou chamar um táxi paraos levar de volta. – Concluiu, fazendo a ligação em seguida. Depois,parabenizou cada um dos novos membros da equipe e os acompanhou até o pátio deareão, onde o táxi os apanhou.    

KatetirasWhere stories live. Discover now