Pedro, então, se juntou aos demais na perplexidade. Dr. Ernesto continuou:

– Podem ficar tranquilos, meus caros. Eu explico como sei disso tudo.

O homem contou que trabalhava como técnico em radiologia no Hospital Público Geral de São Paulo – HPGESP – no início dos anos dois mil, e começou a ouvir histórias...

– ... Sobre pessoas que, supostamente, saíam do corpo no que se chamava projeção de consciência ou experiência fora do corpo, EFC (como vamos falar muito sobre isso, aqui, tratemos apenas como PC). Até então, esse fenômeno jamais havia sido comprovado. O assunto me fascinava, fiz várias pesquisas, aprofundei-me no assunto. Consegui ter acesso a arquivos do hospital e de uma universidade, e descobri a existência de um setor dedicado ao tema, numa parceria entre as duas instituições. Abandonado, é verdade, mas pude aproveitar uma lista de pacientes com potencial. Li caso a caso, até chegar aos nomes de vocês e encontrar o caso mais surpreendente, o do garoto Dinho, o Pedro. Intensifiquei as pesquisas, conversei com psicólogos, mas nada se comprovava. Porque a única evidência que pode ser aceita é a pessoa que experimenta a PC descrever um alvo oculto, ou saber de fatos dos quais não poderia saber sem ter estado presente. Dos quatro do grupo, apenas Amália passou por exames específicos. Participou até de uma experiência, onde deveria adivinhar o objeto atrás de uma porta, mas errou feio.

– Posso ter errado – protestou Amália – mas eu estive dentro do quarto, com certeza.

– Claro que esteve. – Concordou Dr. Ernesto. – Mas queriam uma resposta precisa, por isso frustraram a experiência. Erro deles. Deveriam entender que não somos máquinas. Às vezes não enxergamos as coisas como de fato são. Você pode achar que uma pedra é uma tartaruga e vice-versa, por ter alguns graus de miopia e estar sem o auxílio de lentes. Ou ter alucinações. Numa cidade aqui perto uns garotos andaram bebendo um chá ou "vitamina" de cogumelos e viram desde elefantes amarelos até folhas de grama querendo lhes morder os pés. Dizem que um deles, durante uma semana, fez tranquilas pescarias sentado num degrau da escadaria, em frente à igreja, segurando um caniço de bambu com o anzol sobre o chão de cimento à frente. Tanto a pedra quanto o concreto estão lá, mas foram vistos como tartaruga e açude.

Amália gostou do que ouviu, e lamentou não poder voltar no tempo e dizer as palavras do doutor a todos que dela zombaram.

– Doutor – interpelou Pedro – eu era muito pequeno e, com certeza, tive um sonho. Minha mãe levou tempo até se separar. A tia Andreia sempre me visitava, por isso sonhei com ela. Nunca fiz nada parecido com isso de... como é mesmo... PC.

– Não quero falar dessas lembranças, Pedro. A não ser, é claro, que você queira. – Sugeriu Ernesto, torcendo para que o rapaz consentisse.

– Bem... pode, se não houver nada... sabe...?

– De constrangedor? Não, fique tranquilo quanto a isso. Sua mãe, a Tânia, desconfiava que o Nilton a traía com a irmã dela, Andreia. Você abriu o bico num dia em que a Tânia voltava do plantão no pronto-socorro. Nilton tinha avisado que também trabalharia – era vigilante e disse que precisaria cobrir a ausência de um colega. Na verdade, tratou de conseguir ficar a sós em casa com a cunhada enquanto a coitada da Tânia trabalhava de verdade. E você tinha que ficar com uma vizinha. Enquanto dormia, você saiu e deu um pulinho em casa. De início, Tânia não deu muita importância para a aventura do filho, pois fixou-se na possibilidade de ter sido enganada na noite anterior. Como diz o ditado, mentira tem perna curta, e ela não teve muito trabalho para descobrir a verdade. Mandou Nilton às favas, só esqueceu de voltar a atenção para o intrigante sonho do filho. Só mais tarde, quando os pesadelos do garoto ficariam mais frequentes, ela o levaria para consultar e, depois de um tempo de tratamento, você parou de ter pesadelos.

KatetirasWhere stories live. Discover now