Capítulo 1 - Um estranho entre nós

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Major Otávio primeiramente respirou profundamente e olhou para o prédio do quartel, numa silenciosa inspeção. Sua expressão era indecifrável, e ele cruzara os braços, como se maquinasse quieto o que faria nas próximas semanas ali. E provavelmente era o que estava fazendo. Seus olhos percorreram as janelas do quartel, até olhar nos cavalos, depois na grama, e por fim olhou para o batalhão.

Alguns se sobressaltaram com a repentina atenção e fizeram posição de sentido. Luccino foi um deles. Ele pensava que aquele major nem olharia para eles, tal era sua pose de total alheamento a outra vida humana que não fosse a dele. Seus olhos miravam a parede que estava alguns metros a sua frente e sua respiração demonstrava um nervosismo. Ele era mesmo um idiota, pois estava claro que ele precisava da aprovação do seu novo superior interino.

Os passos de Otávio eram lentos, enquanto ele olhava para cada soldado que estava naquela fila, como uma forma de memorizar algo daquela pessoa que estava na sua frente, ou encontrar alguma potencialidade que ele poderia explorar. O major percebera que muito deles não tinham porte físico de soldado, e que muitos estavam nervosos diante de algo tão irrisório como a mudança de um superior. Otávio teria muito o que trabalhar ali. Seriam meses que ele mudaria muito coisa ali.

E então ele o via. Ele estava claramente nervoso, mas havia algo no tremor daqueles lábios que lhe chamou a atenção. Seus cabelos estavam bem penteados e conseguia sentir o cheiro de um perfume silvestre. Seu proeminente queixo lhe fez imaginar por milésimos de segundo como seria aquele rapaz sorrindo. Pelo porte físico ele daria um bom soldado.

E ele se lembrou: era o pupilo de Brandão. É claro que era! O rapaz que ele mirava era como ver seu amigo mais jovem. E então ele riu internamente. Já sabia como lidar com aquele soldado.

O major parou em frente a Luccino e deu um passo em sua direção. Luccino não sabia para onde olhar, ele estava perto demais. Se o olhar do major era intimidador a metros de distância, o soldado sentiu isso ao quadrado ao ser mirado a apenas centímetros de distância. Ele devia retribuir o olhar, ele devia olhar para outro lugar? Então Luccino preferiu olhar para cima, aonde sua mão indicava. Ele conseguia ouvir seu superior respirando forte e controladamente perto dele, como se até a sua respiração precisasse ser máscula e viril. A boca do italiano inesperadamente estava seca.

-Soldado Pricelli.- cumprimentou o major.

Por segundos Luccino se surpreendeu com a informação que seu superior sabia seu nome e olhou-o. Movimento errado: os olhos de Otávio lhe perfuravam ainda.

-Major Otávio. - cumprimentou Luccino, olhando novamente para cima.

-É "Senhor Major", soldado. - disse Otávio. - Não me trate pelo primeiro nome, não somos iguais.

Luccino viu Randolfo segurar uma risada. Ele sabia o que significava: Luccino não seria o favorito do major.

Brandão voltara para fora do quartel quando Otávio estava no final da fila e ouviu gritar "Descansar" para os soldados. Otávio foi até o amigo e lhe deu um forte abraço e conversavam coisas pessoais em tom baixo, a fim de que os soldados não lhe ouvissem, e Brandão riu de algo que Otávio lhe contara. Se havia algo que Luccino já notara era que o Major Otávio não era engraçado.

-Você me faz um enorme favor em cuidar do meu batalhão enquanto estou fora. - disse Brandão. - Minha esposa me cobra essa viagem a meses, desde que nosso filho mais novo nasceu.

-Terei que ver esse bebê lindo, e também Mariana, não a vejo a tempos. - disse Otávio. - E não me fale em favor. Sabe que lhe devo, e é uma das poucas pessoas vivas que pode se gabar disso.

-Esquadrão, vocês estão em boas mãos enquanto eu estiver fora... - começou Brandão.

-Não me parece nem um pouco. - sussurrou Ernesto.

-...e Major Otávio é um ótimo comandante. Não me envergonhem na frente do major, rapazes.

-Não se preocupe, Victor. - e Otávio voltou seus olhos para os soldados. - Irei disciplina-los quando for preciso.

Luccino podia sentir um frio na espinha a cada palavra que o major falava.

-Dispensados!

Após todos se despedirem do coronel, os soldados foram para o dormitório do quartel, trocar de roupas, pois começariam o treinamento daqui a uma hora.

-Realmente, Luccino, você tem que se preocupar. - disse Ernesto, rindo. - O "Senhor Major" te odiou.

-Ele deve ser o primeiro ser vivo a conseguir isso. - Randolfo também entrou na brincadeira.

Luccino riu com seus amigos, fingindo não se sentir estranho ao lembrar de quão forte era o olhar do Major Otávio sob ele.

EncantoWhere stories live. Discover now