Capítulo 1 - Um estranho entre nós

1.6K 76 72
                                    

Luccino queria poder dizer quando que tudo começou, em qual momento toda sua vida mudou por completo, em qual segundo todas suas verdades viraram de ponta cabeça e ele se viu sem chão e sem direção. Não, talvez no fundo, lá no fundo, ele tinha noção quando ele finalmente se encontrou. Porque antes de tudo era que ele realmente estava perdido.

O soldado acordara após uma boa noite de farra com seus amigos do batalhão. Ele, Randolfo e Ernesto eram bastante próximos, e normalmente eles teriam chamado o Coronel Brandão para beber; Luccino tem intimidade o suficiente com seu superior para tomar umas bebidas com ele. Mas Brandão iria tirar férias atrasadas de alguns meses com sua esposa Mariana e seus filhos. Luccino tinha sido padrinho de casamento dos dois, era amigo de infância de Mariana. Ele sentiria falta deles enquanto eles estivessem fora.

Durante o banho, Luccino ouviu falar do major que iria substituir o Coronel Brandão durante esses meses. Ele não era do Vale do Café, era da capital e estava vindo por um pedido direto do coronel. Luccino ouviu Brandão falar algumas vezes dele, e o chamava de "destemido" e "persistente". O soldado não gostava desses adjetivos, parecia alguém suavizando para dizendo que a pessoa era cabeça-dura.

-Se o coronel disse que ele é um bom major eu acredito. - disse Randolfo, saindo de banheiro e enrolando a toalha na cintura.

-Eu nunca disse que ele não seria, mas... - Luccino não gostava do que sentia.

-Ele está com medo do major não adorar ele como o Brandão. - debochou Ernesto, jogando uma toalha na cara de Luccino.

-Não diga isso! - Luccino ficou envergonhado.

-Tudo bem, Pricelli. Todos no batalhão sabem que você é o preferido do Brandão. - riu Randolfo.

-E será o preferido do major também. - Ernesto disse ao apertar os ombros de Luccino e balança-lo.

Luccino não podia negar: ele era um coração de ouro. Um rapaz íntegro, que não fazia mal a ninguém, sempre pedia desculpas se pisasse no pé de uma moça durante a dança e ajudava alguém que tivesse sacolas demais para carregar. Poderia parecer alguém sonso demais para demonstrar sua verdadeira essência, mas Luccino era verdadeiramente bom.

Todos já estavam fardados e organizados em fila para receber o major. Alguns soldados conversavam entre si, aproveitando o momento para falar sobre o que fizeram em suas folgas, ou dizer como estava em casa. O batalhão não era longe da cidade, mas alguns soldados passavam a semana dentro do quartel. E a maioria dos rapazes solteiros preferiam dormir lá, caso quisessem sair a noite para visitar alguma dama.

-Como está Ema, Ernesto? Finalmente ela aceitou sair com você? - perguntou Randolfo.

-Ainda não, sinto que este dia está perto. - Ernesto respondeu, confiante.

-Soube que a décima quinta vez é que dá sorte. - riu Randolfo.

Nesse momento foi ouvido o barulho do trote dos cavalos, indicando que uma charrete chegava. O batalhão se organizou em uma única fila, dando espaço de um braço entre cada soldado, e eles viram uma elegante charrete parar na frente do quartel. O Coronel Brandão acenava para a pessoa que estava dentro dela, se aproximou do veículo e pegou uma pesada mala, muito maior do que previsto.

-Às vezes esqueço como é um ávido leitor, Otávio. - sorriu Brandão, segurando a mala com as duas mãos e levando-a para o interior do quartel.

Segundos depois uma pessoa saiu do interior da charrete, com uma mala menor. Ele era alto, com o cabelo penteado pela lateral, tinha um porte rígido, próprio para sua patente. Seus olhos eram ávidos e perspicazes; ele não perdia nenhum movimento. Suas sobrancelhas eram grossas, e acima de seus finos lábios havia um bigode bem cuidado. Ele tinha a mania de enrola-lo entre os dedos, deixando a ponta um pouco para cima.

EncantoWhere stories live. Discover now