"Juntando as partes"

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A noite se arrastava gélida e clara, Mary era a mais atenta aos movimentos de Hãnsel, que nem havia começado a contar sua história ainda. Jonny e Will trocavam olhares nervosos, em suas últimas conversas predominava a curiosidade sobre o outro garoto do grupo e quem ele era.

– A minha história não é a mais confusa daqui, e como vocês já perceberam eu também não sou um garoto normal. Meu pai me levou embora da cidade quando a guerra acabou, eu voltei há alguns anos e... – O garoto travou, sabendo que todos o encaravam ele não quis levantar o olhar. Sua respiração estava acelerada quando percebeu que estava segundo o choro, não podia se demonstrar tão fraco na frente de desconhecidos. Pelo menos, seu pai sempre falava que ele nunca devia se demonstrar fraco.

– Acho melhor pularmos para a do Jonny, não é gente? – Will perguntou.

Ninguém respondeu, obviamente todos queriam saber mais sobre Hãnsel, e por mais difícil que seja para o narrador até ele queira terminar de contar. Hãnsel respirou fundo, passou as mãos sobre o cabelo e encarou os amigos novamente.

– Quando eu voltei, descobri que minha mãe havia morrido. Ela era uma mulher incrível tinha toda uma vida pela frente, mas simplesmente se foi.  Em nenhum ato heróico ou batalha. Eu coloquei a culpa em meu pai, e jurei não voltar a sua casa.  Desde então eu vivo aqui sozinho naquela casa velha. As vezes eu faço algumas viagens, bem rápidas é claro, mas nada muito longe de Helssen e seu ar opaco e sombrio. – Não foi tão difícil Hãnsel, isso deve bastar. Ele sorriu, e então prosseguiu encerrando nem metade da história. – Eu não posso explicar melhor, mas espero que acreditem em mim.

– Eu sinto muito por sua mãe, e por todos os anos sozinho. – Mary falou como se fosse chorar. – Não posso imaginar como é perder tudo e não ter ninguém.

E lá estava a garota demonstrando pena, aquela coisinha que Hãnsel odiava mais que gigantes otários. Como se ele realmente precisasse daquilo, como se fosse ajudar. As pessoas não faziam de propósito, mas é o mal delas.

Eles conversaram mais um pouco, até Jonny lembrar que ainda devia contar sua história também. Mary ainda estava inquieta e encarava Hãnsel vez ou outra, só para desviar o olhar quando percebia o que estava fazendo. 

– Eu também perdi uma pessoa, uma a qual eu não tive a chance de descobrir se valia a pena. Meu pai sempre bebia e sumia por dias, minha mãe trabalhava sozinha e fazia de tudo para garantir um futuro pra seu filho, ela dava o seu máximo de acordo com nossas condições de vida. Mas então meu pai se foi, também no fim da guerra, e hoje eu nem me lembro se ele tentava ser um bom pai. Ele morreu bêbado, e então minha mãe virou garçonete de um bar. Até hoje eu não entendo essa lógica, mas eu só tenho ela na minha vida e não queira causar mais problemas.

– Esqueceu de mencionar seu melhor amigo na história! – Will revirou os olhos.

– É impressão minha ou aconteceu algo com quase todos aqui no fim da guerra? – Mary raciocinou ganhando um sorriso inesperado de Hãnsel. 

– Na verdade, minhas suspeitas são que todos nós estamos envolvidos com o fim da guerra. Somos um quebra cabeça e quando juntarmos as peças iremos descobrir toda história. Ou melhor, podemos evitar que aconteça de novo!

– Esperem, não tem como termos feito parte dessa guerra. Não essencialmente e diretamente. – Jonny palpitou esmagando o coração de todo mundo. – Will chegou aqui com seis anos, no fim da guerra, e eu nem me lembrava da existência da mesma.  Éramos muito novos para saber.

– Sim, mas meu pai veio por negócios. E se ele sabia sobre a guerra e seu fim, e se ele teve algo haver? Éramos pequenos, mas nossos pais não. Acho que temos parte nessa guerra sim, tanto quanto carregamos o legado dos nossos pais. – Anotem, essa é uma das únicas vezes que Will realmente falou algo inteligente.

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⏰ Last updated: Nov 08, 2018 ⏰

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As Crônicas da LoucuraWhere stories live. Discover now