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A dor que sentiu em resposta foi o suficiente para dizer que seu oponente estava sóbrio, bastante sóbrio.

Elari olhou para trás, onde Arghnam permanecia praticamente no mesmo ponto, ele havia desviado para o lado e batido com o punhal em seu ombro. Se ele quisesse aquele duelo já teria acabado, mas ele queria fazer um espetáculo, ela via o prazer nos olhos dele. Então ele e Jasti não eram tão diferentes, os dois podiam morar sobre um palco.

Ela se colocou em posição novamente. Tinha pretendido acabar com aquilo rápido, tinha testado a sobriedade dele. Conseguiu. Agora estava na hora de ela trajar o novo figurino e fazer Kah Sung se sentir orgulhoso, fazer Jasti prender a respiração preocupada com seu amado pois ali eles estavam como iguais, pois ele podia estar sóbrio, mas o espiritualista lhe deu uma boa dose de arta, a erva que enfraquecia os negros, a mesma que os vermelhos costumavam embeber suas lâminas antes das guerras, a mesma que usaram contra um rei do outro lado do oceano.
Ela girou sobre os calcanhares e afrouxou a pegada no punho. Algumas mechas de cabelo já caiam sobre seu rosto soltas da trança que descia até a curva em suas costas cobertas por couro assim como todo o seu corpo a fim de possuir alguma proteção mesmo que fosse claro que ferimentos deveriam ser evitados ao máximo, o aviso foi dado a Arghnam, mas ela consideraria que também devia ser cautelosa.

Desta vez ela não correu, caminhou lentamente na direção dele que permanecia imóvel parecendo uma das peças de mármore que decoravam o em torno do mausoléu no jardim. Elari também estava com sua adaga, Marjeana a entregou depois de ter pego no dia anterior para afiar e polir, não seria usada, mas era uma espécie de formalidade, ela viu que Arghnam também tinha uma em seu cinto, não era possível ver o que as linhas fundas formavam devido à bainha, mas ela imaginava que seria algo como outra espada já que ele era o espadachim negro. Nesse instante se perguntou se Kah Sung também teria uma e como era a dele. Chamas não pareciam ser tão empolgantes quanto o dragão de Oldren, mas Jasti havia ganhado ondas. Ela também se perguntou quem forjava as adagas, devia ser um espiritualista, eram eles que sempre estavam por trás de objetos e rituais significativos.

Ela ergueu a espada fazendo a ponta ficar a poucos centímetros dele, o braço estava estendido e seu corpo de lado, um pé afastado do outro para ter liberdade de movimento, ele ficou quieto e o ambiente também, ao menos Elari não estava escutando nada além do eco de seus batimentos intensos. Ele se moveu, para baixo e para a esquerda, ela previu o seguinte e bloqueou o ataque à sua perna, no momento seguinte ela estava girando para a esquerda a fim de um golpe lateral que Arghnam bloqueou.
Elari avançou fazendo as espadas rasparem uma na outra e sussurrou.

- Voxe ainda gosta dela.

Ele não demonstrou reação e passou por baixo das espadas tentando fazer peso sobre a dela e Elari também fez seu movimento girando a espada e indo para trás até que as armas estivessem distantes demais para tocarem-se. Desta vez ele avançou, a espada permanecia lateral e posterior ao corpo dele e ela soube que viria um golpe baixo então aguardou e quando ele fez o movimento ela saltou avançando assim que seus pés tocaram o chão, ele desviou e lhe deu uma rasteira com a perna esquerda. Elari caiu, o ombro reclamou por ela não ter usado as mãos para amortecer a queda, tinha que evitar cortar a si mesma, mas graças a isso também perdeu tempo e Arghnam já estava de pé e indo para ela, Elari ficou de bruços e então colocou uma perna na sua frente, um movimento perigoso, mas teria que servir. Ela deslizou sobre o calcanhar usando a mão livre de alavanca, os dedos arderam, mas logo estava com a espada no ponto, Arghnam desviou do ataque usando a própria espada, contudo ela tinha conseguido o que queria, um corte leve no lado da perna. Nada fatal, mas o incomodaria o suficiente para ela ter uma vantagem. Ele foi para trás e ela ficou de pé.
Nesse instante a cabeça de Elari latejava com seu sangue, o suor tinha feito as mechas soltas de cabelo grudarem em seu rosto e tinha uma bela dor de ombro, seu oponente tinha um arranhão na perna. Ótimo.
Elari sorriu e ele avançou, as chamas das lanternas refletindo em seu rosto dourado, os cabelos como chamas negras atrás dele. Ótimo.
Ela se preparou e defendeu, direita, diagonal, esquerda, golpe baixo e esquerda mais uma vez, depois ele tentou uma rasteira e ela pulou ao mesmo tempo que teve de defender a direita. Mais uma vez o bloqueio resultava em uma aproximação dela e mais um sussurro.

- E ela ainda gosta de você.

Ele paralisou e ela viu a abertura, então ela se afastou, desfez o contato com a espada dele e avançou em um golpe diagonal. Ele demorou a reagir e quando o bloqueio foi feito ela viu alguns fios de cabelo dele caírem devido à proximidade com o pescoço.
Quando eles decidiriam que estava terminado? Não importava se haviam passado vinte minutos ou dois, ela sentia que estava ali o dia inteiro. Eles continuaram em avançar, bloquear e atacar, até que ele conseguiu sucesso em uma rasteira e ela caiu para trás, viu que ele estava vindo para cima e assim que chegou ao chão soltou a espada e rolou, antes que parasse escutou o golpe atingir a madeira e se perguntou se aquilo era mesmo um teatro. Desde quando balançar espadas envolvia aquilo?

Ela parou e viu que ele estava tentando tirar a espada da madeira, mas ela estava fincada, ela se ajoelhou e ele desistiu da própria espada e seguiu até a dela. Se ele pegasse, ela estaria perdida. Eram três metros até a espada, ele ainda não tinha visto que ela tinha parado de rolar, então ela disparou. Foi a mesma corrida desesperada que fez quando correu do groule, usando as mãos de apoio no chão e o corpo baixo, ela se jogou quando ele abaixou e a espada estava na mão dela, girando no chão ela a apontou para o pescoço dele e parou milímetros antes.

O tempo congelou, ela apenas respirava e achava que mais ninguém fazia aquilo. Quando olhou para o lado, para a plateia viu que Kah Sung ainda estava sentado, o olhar sério e confiante. Ela sorriu para aquela expressão dele, depois viu que Jasti havia avançado, estava quase subindo no palanque, então olhou para Arghnam ainda congelado com a mão estendida para pegar uma arma que não estava lá.

- Acho que deveríamos conversar. Durante o jantar.

Raykar anunciou a vitória de Elari e o novo espadachim a ajudou a se levantar acenando a cabeça em confirmação. Ela tinha sua chance. Agora iria desvendar o mistério de Jasti. Ao menos, foi o que pensou até entender porque todos estavam em silêncio e apenas duas palmas batiam. O rei estava ali.

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