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Antes que Craz começasse a entregar as adagas a escândalo apareceu no alto das escadas, com o mais longo vestido branco e o cabelo mais armado entre todas. Ela desceu com estilo e sorrindo para cada um como se dissesse que ia os matar por terem tratado mal ela que andava como uma rainha.

Quando estava em baixo ela se curvou  levemente fazendo os cabelos loiros e cacheados deslizarem para a frente do seu corpo. Ela definitivamente sabia fazer uma entrada.

- Estávamos para desistir de você, Marest.

Ela ficou indignada, a boca aberta quase cuspia fogo como as serpentes voadoras.

- Pois bem.

Ela levantou a frente do vestido e andou até os demais, ficando ao final e soltando o tecido com violência. Elari olhou de relance para ela que estava ao seu lado. Qual a necessidade de se mostrar importante?

A pergunta ainda pairava em sua mente quando Steve ficou à sua frente com a caixa, Craz entregava a adaga de Oldren, ela tinha o desenho perfeito de uma serpente voadora com garras e dentes à mostra, era simplesmente linda. Ele continuou segurando a adaga quando Oldren a pegou, olhou para o rapaz com determinação.

- Por algum motivo sinto que o artesão acertou mais nesta que em qualquer outra.

Oldren acenou, silencioso como sempre.
Elari olhou para a caixa nos braços de Steve, duas adagas, uma com o desenho de ondas descontroladas e a outra com tracejados que faziam a própria lâmina parecer fogo. Steve se afastou e Craz ficou a sua frente, ele pegou a adaga com cuidado, a emabaiando. Ele suspirou e estendeu a adaga flamejante.

Ela percebeu que estava tremendo apenas quando estendeu a mão para pegar a arma. Não era nervosismo ou medo. Era uma espécie de ansiedade que nunca tinha sentido antes.
Aquela adaga, iria se cortar com ela em minutos.
Ela fechou a mão e acenou para Craz.
O medo começava a vir, o pânico ameaçando explodir. Não acreditava que estava mesmo prestes a se tornar um monstro. Tudo que sempre temeu e odiou. As mãos suaram, as pernas tremeram e a cabeça doía.

- Ei!

Ela sentiu uma cutucada no braço. Oldren. Steve também tinha a chamado e por isso Oldren a acotovelou. Ela respirou. Por Kath, podia fazer aquilo por sua irmã. Podia fazer aquilo para continuar viva.
Craz pigarreou chamando a atenção de todos depois de entregar a adaga tempestuosa para Jasti.

- Agora é a sua hora! Já sabem como fazer. Começando com Tharna Yulansh e terminando com Jasti Marest vocês derramarão o sangue nas fogueiras na ordem em que chegaram. Cada um fica em uma fogueira, Marest na central e Yulansh na mais externa. Compreendido?

Todos acenaram, alguns disseram sim.

- Se sim, respondam claramente!

Steve os repreendeu e todos uniram as vozes em um só som.

- Sim, senhor!

Craz meneou a cabeça satisfeito e gritou com todos mais uma vez.

- Agora vão!

Os empregados abriram as portas duplas para o terraço. Jasti seguiu à frente. Haviam tantos ali. As únicas fontes de luz eram as fogueiras brancas e as tochas brilhando amarelas e laranjas. A música parou e as dezenas de Negros olharam para eles. Olhos vermelhos e pretos atentos. Todos voltados para Jasti com seu andar de soberana. Conversas se encerraram enquanto andavam para o centro de tudo. Elari não sabia para onde olhar para ter menos pânico. Inspire, expire. O ar ficou muito quente e denso e úmido. Mesmo já sendo acostumada com o calor escaldante de Tesme, aquilo era o inferno. As fogueiras acesas, os sugadores ao redor, o céu escuro que não mostrava uma lua sequer, Jasti com seus cabelos longos e volumosos demais, tudo sufocava Elari, tocava em sua pele e entrava pelas narinas, invadindo e corroendo por dentro.
Inspire, expire.

Não podia ter uma crise ali. Não podia explodir ali. Não podia gritar ali.
Era demais para ela. As mãos já estavam encharcadas quando parou na frente da fogueira. Ela tremia quando desembaiou a adaga.
Inspire, expire.
Concentração. Kath.
Kath estava esperando por ela, esperava que voltasse para casa e lhe contasse como ela ser cinza, como era ser um monstro.
Inspire, expire.

Elari posicionou a adaga na palma da mão. Não conseguia. Não sabia o que fazer. Quando fazer.
Muitos olhos sobre ela. Muito calor. Muita tensão.
O mundo iria ruir bem ali. Ela iria ruir bem ali.
Inspire...

- Elari!

Ela cortou com o susto. O sangue respingou e sujou o vestido, que desastre. O sangue também caiu na fogueira que mais uma vez hesitava. Ela se virou e viu que todas as outras brilhavam vermelhas, ela tinha se atrasado. Rahir estava bem atrás dela, ele olhou assustado para ela. Não, para atrás dela. Para a fogueira que crescia branca e aos poucos mudava. Dessa vez não foi um preto translúcido, mas o mais profundo negro. As chamas não iluminavam, elas absorviam toda a luz do ambiente. Um silêncio mortal se fez e então a fogueira de Jasti brilhou cinza no centro, mas a que todos olhavam era a dela. Sua mão ardia e queimava, o sangue ainda escorria. Não fazia ideia do que fazer.
Inspire, expire.
Mas tudo que fazia era inspirar nervosamente pela boca, ela tinha estragado tudo.
Os olhos dos demais sobre si eram ainda piores, mais pânico aflorava dentro de si e, para piorar tudo - ou não - um estranho apareceu na sua frente. Ele surgiu como névoa e cinzas e estendeu a mão para ela.

Elari retraiu. Iria gritar em dez, nove...
Ele se aproximou, os olhos centrados nos dela, olhos cinza brilhantes. Sua mão tocou o ombro dela. Com o calor que a sufocava poderia muito bem ter até aceitado bem um toque gélido, mas o toque que sentiu era quente. O que a tranquilizou e agoniou ao mesmo tempo.

- Feche os olhos.

Foi tudo que ele disse, dando-lhe tempo apenas para obedecer antes de sentir o calor se afastar e uma brisa suave a envolver para se seguir um ar frio. O toque se encerrou e ela se encolheu vomitando no chão, colocando a mão ensanguentada na barriga onde tudo se revirava. Ela tossiu.

- Inspire e expire.

Ela obedeceu. Ainda não estava totalmente recuperada, a ânsia permanecia e a dor na barriga e na mão eram terríveis. Viu apenas um relance do rosto dele antes que se virasse e já pronunciasse em voz alta para os que entravam no cômodo escuro em um rompante.

- Cuidem dela!

Ela quase não reconheceu Steve surgindo na sua frente.

- Elari, Elari! Você está bem?

Ele devia estar tão em pânico quanto ela segundos atrás, não sabia se a tocava ou não. O olhar preocupado dela a fez sentir culpa.

- Desculpe, eu...

- Não! - ele gaguejou - Tudo bem, eu entendo! É minha culpa...

Craz surgiu atrás dele colocando uma mão sobre o ombro de Steve.

- Tudo bem, rapaz. Ela está bem agora. Vamos leva-la para o quarto e tratar esse corte.

Ele concordou tremendo e a ajudou a se levantar. Ainda apertava a mão na barriga, mas para pressionar o corte.

Quando chegaram no quarto a empregada que tinha a arrumado aguardava com um balde de água e faixas que usou para limpar e cobrir o corte profundo e irregular. Steve tentou fazer uma piada dizendo que ao menos sabiam que a adaga cortava bem, mas ninguém riu. Craz pediu licença quando Elari seguiu para o banheiro com a empregada, Steve disse que esperaria mais um pouco. E esperou. Quando ela saiu dali com uma roupa limpa e recuperada ele suspirou aliviado.

Ela não sabia o que dizer para ele ou para qualquer um. Tinha estragado tudo e ainda feito uma cena, além de...  o fogo estava mais escuro que antes e a parte roxa não tinha se mostrado. O que estava acontecendo? Será que seu medo e pânico fizeram o fogo mudar? Ou ela tinha mudado?
Não sabia. Mas algo definitivamente mudou e não só o fogo.

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