Capítulo 19

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Dor. Eu estava vivendo um período constante de dores intensas. A única coisa que me fazia resistir era imaginar o rostinho do meu bebê, imaginar o seu calor em meus braços. Lembrar o dia em que contei a todos sobre a novidade me fazia sorrir, mas eu tenho que admitir que esse era um ato que exigia muito de mim.

Arlindo estava extremamente empolgado com a ideia de depois de seis garotas, ter, enfim, o prazer de ensinar seus princípios a um menininho. O nosso menino. Eu continuava com a costura, me levantava um pouco quando a dor me fazia sentir uma leve tontura, mas não me permitia tornar-me uma inválida. Não era a essa altura do campeonato que eu deixaria a força se tornar algo raro em minha vida.

Eu não me senti assim em nenhuma das gestações anteriores, eu realmente não estava me sentindo bem.

— Ei, pequeno! Aprontou muito hoje? — Arlindo perguntou colocando as mãos em minha barriga, certo dia, quando chegou do trabalho. Era extraordinária a forma com que o garotinho se movia lá dentro assim que ouvia a sua voz.

— O pequeno resolveu chutar bastante hoje — eu sorri e acariciei o cabelo do homem que estava maravilhado, ele nunca se cansaria disso.

Apesar das dores frequentes, eu não tinha grandes problemas com outras coisas que fossem capazes de me incomodar. O desconforto apenas se intensificava quando a noite chegava e eu era obrigada a me deitar e fechar os olhos. Era nesse momento que meu coração ficava menor e batia devagar. Eu vinha sonhando consecutivamente com a mesma situação. Era sempre um lugar coberto por um nevoeiro, o bebê junto ao meu peito, eu olhava ao redor e tudo que podia notar era a solidão. A sensação era de que o planeta estava vazio. Meus passos não me levavam a lugar algum, o vento frio jogava meu cabelo para todo lado e quando a única coisa que me acalmava era a criança comigo, até ela eu perdia. O menino que antes se aninhava junto ao meu peito por sentir o medo que emanava de mim, agora era apenas a pequena manta azul em minhas mãos. Ele me deixava e eu sentia que não era algo reversível.

Eu acordava. Arfando. Em desespero.

Não queria mais sonhar com aquilo. Meu subconsciente jogava comigo, sem a minha permissão.

Desde o acidente, muita coisa mudou... As meninas estavam crescidas, minha barriga estava enorme, eu ficava cada vez mais conhecida como "Dona Judite, a costureira", e apesar de não gostar muito do dona, era bom ser reconhecida por algo assim. Arlindo recebera outra proposta vinda do prefeito — que acabara por se tornar amigo da nossa família.

— Mas, como assim? — Ouvi meu marido perguntar ao homem sentado em nosso sofá.

— Vocês conhecem o Poço Escuro, certo? — Confirmamos positivamente com a cabeça.

O Poço Escuro era uma reserva florestal que abrigava em suas dezessete hectares uma grande variedade de fauna e flora. Era um pedacinho de calma em meio à confusão que a cidade começava a se tornar. Nós visitávamos o lugar periodicamente, o ar por lá era leve e frio e me lembrava a minha casa. Ouvir que poderia trabalhar ali, todos os dias, provavelmente fez o coração de Arlindo saltar no peito.

— Então é isso... O que acha? Imaginei que você seria a pessoa certa pra esse serviço, Arlindo. — O prefeito jogou sua última carta e esperou a reação do homem boquiaberto à sua frente.

— Quando começo? — A certeza em sua voz confirmou que ele aceitara desde o primeiro momento, talvez só não acreditasse que estaria tão próximo da natureza, que era algo que ele tanto amava.

Tão depressa quanto começou, o amor de Arlindo por aquele lugar dobrou de tamanho, ele deu nome aos animais — Futuca, o macaco prego, era um ícone —, cuidava da vegetação, abria trilhas, cuidava da segurança do lugar. Ele se entregava aquilo e eu adorava ouvir suas histórias quando eu perguntava como havia sido o seu dia. Ele levava muito à sério o conceito de paraíso longe das mudanças humanas, e era isso que me preocupava quando ele demorava mesmo que apenas alguns minutos para chegar à noite, afinal de contas, não foram poucas as vezes em que, sozinho, Arlindo enfrentou pessoas que aproveitavam a calma e privacidade das trilhas em meio à selva para fazer todo tipo de coisas ilícitas.

Inconstante e BorboletaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora