Inconstante e Borboleta

Capítulo 6

Ninguém nunca mencionou o que acontece depois do “felizes para sempre”, e eu tenho uma ideia do que provavelmente aconteça: A princesa com certeza fica alguns dias numa cama real porque as suas costas vão ficar bastante doloridas após ter que viajar por tanto tempo montada num cavalo.

Todo mundo acordou muito mais cedo do que o normal, tudo foi preparado e eu não sei de onde saiu tanta gente, mas de uma hora pra outra uma esquadrilha se formou em frente à minha casa. Em terras onde não aconteciam muitas coisas, esse casamento era o maior evento. Peguei tudo o que iria precisar e meu pai me ajudou a me firmar em cima da sela. Todo o grupo começou a se locomover, o som alto dos cascos dos cavalos era a trilha sonora da viagem e o caminho seria longo. Olhei para trás e fazê-lo foi como ver a minha antiga vida ficar para trás enquanto a minha nova vida estava grudada sobre os meus ombros.

Segui o grande comboio e vez ou outra uma canção surgia e todos cantavam em uníssono. Eram muitas léguas desde a minha casa até a cidade vizinha à Olhos D’Água do Cruzeiro, então a ideia da princesa toda dolorida depois do fim da história fez bastante sentido. Reclamar é que eu não podia, então apenas continuei acompanhando o balanço do cavalo torcendo para que chegássemos logo.

A viagem foi longa, o sol já estava alto quando avistei a cidade e agradeci em silêncio. Pisar em terra firme foi uma alegria ainda maior. Entrei na casa onde ficaríamos e todos iam de um lado para o outro, as mulheres foram direto para a cozinha, os homens se juntavam em pequenos grupos para colocar o papo em dia e eu fiquei ali sem saber muito bem o que fazer. Me sentia meio deslocada e não conhecia muito bem as pessoas, então me sentei um pouco e tentei, em vãs tentativas, me distrair. O fogão não se acenderia sozinho para passar um café. A dona da casa já havia pedido que o marido providenciasse lenha, mas o senhores estavam entretidos demais na conversa.

— Eu mesma vou fazer isso — Pensei alto e a minha mãe acabou ouvindo.

— Fazer o quê, menina? — Ela perguntou sabendo que provavelmente seria algo que estaria além dos limites para a garota que dali algumas horas seria a noiva.

— Nada não, mãe. Tava conversando com meus botões...

Ela deu de ombros e foi a minha chance de me esgueirar pela cozinha e conseguir chegar até o grande quintal. Logo no canto eu pude ver grandes pedaços de madeira enfileirados e o machado bem ali, ao seu lado. Era tentadora a ideia de descarregar um pouco das minhas ansiedades numa atividade como aquela. Olhei ao redor e como ninguém observava minha peraltice, dobrei as mangas do vestido e ajeitei um pedaço da madeira no centro. Segurei firme no cabo do machado e o ergui no ar. O caminho de volta ao chão foi certeiro e percebi que não havia perdido o jeito. A madeira se quebrou em duas, e algumas tentativas depois em quatro... seis...

Não me dei por satisfeita, e tenho certeza que ter parado ali teria sido a maneira certa de deixar o dia continuar seguindo como deveria ser. Motivada pela energia que agora explodia em minhas veias, ajustei mais um grande pedaço de madeira no centro, e senti que aquele poderia demandar um esforço maior. Ergui outra vez o machado afiado e impulsioná-lo a descer foi o meu erro. O golpe não foi tão certeiro quanto nas tentativas anteriores e uma vez batendo na madeira, um pedaço grande de lenha voou desajeitado em direção ao meu pé acertando com tudo. A dor foi insuportável e eu cheguei a ficar meio tonta no momento, era como se o sangue tivesse sumido de todo o meu corpo, gritei em resposta e logo cobri a boca com as mãos. Com certeza se preocupariam muito mais em perguntar onde eu estava com a cabeça quando me atrevi a fazer aquilo do que diretamente com o meu pé que de um instante para o outro tinha o dobro do tamanho e doía como nunca antes em toda a minha vida.

— DITE!! O que foi que aconteceu? — Minha mãe veio correndo com as mãos na cabeça como se fosse o fim do mundo, tantas outras vieram logo atrás querendo saber porque eu tinha gritado.